arTTrainee 2013

 

Dar visibilidade a um trabalho que vem se desenvolvendo lentamente em Bcubico, desde abril, é o motivo desta mostra que reúne 17 bolsistas ( solo e duplas), contemplados como contrapartida do financiamento do Edital Funcultura Independente 2012. A diversidade da mostra evidencia o processo arTTrainee aberto a uma demanda interessada de  artistas, não-artistas, corpos desejantes, corpos-máquinas de diversas idades e períodos de produção e trabalho muito distintos, ávidos em discutir as suas produções, dar vazão a novas inquietudes, refletir a criação, e a des-motivação produtiva. Aqui, nesses 6 meses, com horário previamente agendado, conversamos sobre os processos de cada bolsista dentro de suas questões específicas. Assessorado das ferramentas de pesquisa da internet, de livros, revistas, textos de historiadores e críticos, e, imagens de trabalhos de artistas, que nos ajudam a mapear as operações plásticas e conceituais de cada um. São artistas dispostos a trocar idéias, falar de seus trabalhos, mostrar o que vêm fazendo. A maioria, ainda é inédita, mas nem por isso menos interessada e conectada com as questões que a arte suscita.

O arTTrainee funciona como uma espécie de terapia. É gratuito, e tem recebido artistas de outras cidades e regiões também, já que é aberto a quem quiser participar. Qualquer um que desenvolva trabalhos voltados para a arte pode se inscrever e agendar um horário para discutir o próprio trabalho, processo, de criação, desenvolvimento de linguagem, dúvidas quanto à apresentação e exibição de sua obra. E volta quantas vezes achar necessário.” Seu aspecto clínico parte da vontade de desmanche de alguns “redemoinhos” do fluxo-criativo-poético. Anamnese esquizoanalítica, o arTTrainee não resgata nem adereça nenhum artista para o circuito estabelecido da Arte, mas proporciona linhas de fuga a um sistema paranóico da crição, centrado em processos e noções, por vezes, engessadores da produção.

Rubens Pileggi, escreveu na coluna Alfabeto Visual da Folha de Londrina (2001) : “Treinar, trainnee, fazer aparecer, realizar. Arte também depende de treinamento, e mostrar o trabalho faz parte do exercício. Como uma espécie de aula, onde cada um aprende o que quer e tira de si o que sabe. E poderia também se chamar Programa de desbloqueio. Ou Terapia para obras de artistas. Ou consultoria técnica do sensível. Assim, o “Arttrain’ee” pode ser pensado como uma referência para se discutir arte, se potencializando à medida em que vai se transformando a cada edição.”

Diferente de uma exposição de resultados, esta mostra, também é um momento de aceleração e cristalização dessa reflexão. É uma situação onde a virtualidade dos processos se sedimenta e se presenta no espaço expositivo relacionando-se com as outras propostas. Ou seja, a exposição é vista aqui como um laboratório, é um momento de exercício e continuidade do programa arTTrainee.

Uns estão em processo de escrita de textos acadêmicos( 1TCC e 3 dissertações de mestrado), então com estes, as conversas às vezes, tornam-se muito instigantes sobre a escrita, os conceito abordados, a estrutura do texto, a propriedade das ideias, a relação com outros autores, isso é trabalhado tentado manter o “campo de interesses” de cada arTTreinante.

Para esta mostra Roberto Traplev desenvolve um projeto editorial, que não é apenas um registro da exposição ou dos trabalhos apresentados, mas é um trabalho em si. Uma publicação composta das intervenções de cada artista nas páginas impressas (com carimbo, adesivo, aquarela, o que for) em folha A5/ vertical/ pb/só frente/arquivos entregues em pdf, para em seguida, encadernar.  Impressos em tiragem de 500 cópias, cada exemplar torna-se “único” com suas devidas intervenções…. também usa-se para cada exemplar um plástico polietileno transparente  onde se pode incluir o que se quiser…Uma Recibo Extra? Não importa, mas com certeza, vemos aí o saber-fazer da revista que Traplev produz há anos. Mas, assim como Escãndalos, esta palavra grafada em letras brancas na parede preta de B³, ao mesmo tempo que é distribuída impressa no folder e no espaço de uma exposição no Sesi Curitiba, vemos uma escala de difusão da informação operando dentro de uma estratégia de dispersão/distribuição de uma imagem “por toda parte”. Cria-se um ” contexto de circulação” que tensiona o espaço no qual está inserida esta informação, transbordando o espaço expositivo e tentando produzir o interesse de uma pessoa leiga, talvez habitar esquecidamente uma mesa de cabeceira ou estante qualquer.

Assim como Traplev, é a partir de um projeto editorial, que Kaloan e Pilantropov vêem  num piknik uma oportunidade para reunir as pessoas e trocar experiências e desejos e tal, mas também para mostrar as revistas TOSCHEN que é uma plataforma de publicação do ORGANISMO PIKNIK e fazer paralelos com a Revista Nós Contemporâneos, falando “desses” processos colaborativos. Nascida do desejo de criar uma plataforma de publicação livre e acessível, a editora TOSCHEN utiliza recursos baratos e simples que possibilitam um baixo custo e fácil reprodução. Colaborativa e de curadoria frouxa, as revistas são compartilhadas on-line. E, também nas feiras de publicações e feiras de arte que os artistas invadem usando das técnicas de guerrilha ambulante.

Extensões do Organismo PikNik, Kaloan e Pilantropov, que vêm de São Paulo e participam também do Spa das Artes, se percebem como um aglomerado vital de pessoas que se reúnem em ações experimentais na arte-vida. Organismo Piknik é um projeto colaborativo iniciado em 2009 e que ocupa diferentes espaços públicos urbanos tais como praças, parques, terrenos baldios, grandes avenidas, entre outros propondo nestes espaços lugares de encontros, trocas e experimentos abertos a quem quiser participar .

Da construção de ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade passional superior (Debord), é do que trata diferentemente o Experimento Peluqueria Carangi. Situações construídas da motivação de cortar cabelos de Marie Carangi. Em Bcubico, Marie constrói mais um “Além-ambiente” operando ao mesmo tempo as 4 estratégias do seu programa atual: parasitar  eventos (toda quarta-feira no Lesbian Bar), criar espaços dentro de espaços, tornar públicos os espaços inventados, e, inventar ambientes próprios em lugares públicos, mobilizando, como diz a artista, comportamentos e participações. O experimento Peluqueria Carangi concebe o espaço urbano como labirinto, espaço este a ser decifrado e descoberto pela experiência direta e da construção de situações, fazendo da arquitetura um meio para redefinir espaço e tempo.

De desenho como processo e deriva trata também a experiência de um fim de semana de Hassan Santos na rua, coletando círculos com uma instrução. “você quer fazer um circulo pra mim?” . Onde circulam várias pessoas, Hassan, com um celular, pincel, tinta, uma folha de papel em branco e com a instrução de  capturar o vazio,  foi durante um fim de semana até as pessoas no centro do Recife, e capturou vários ensos (círculos) desenhados por diversas mãos, idades, e diferentes historias dessas pessoas durante a captura. O enso consiste em desenhar um simples círculo. Para Hassan, na “minimalidade do círculo é onde se encontra também a prova da existência. Um tipo de matéria espiritual, enso é dar-se, é capturar-se. O enso é um cerco.”  Em looping, O áudio editado com as gravações de noções sobre o círculo, do artista e das pessoas entrevistadas na rua, distribuí-se no corredor-escadaria de entrada de B³ produzindo um espaço para ouvir, ou seja, entrar no espaço e na temporalidade da deriva

E, Bianca Bernardo, vem do Rio de Janeiro passar essa semana no Recife, e assim, seu trabalho pode acontecer nos encontros, com a cidade…

Ir-e-vir, em trânsito no trânsito, mapas afetivos, deambulações urbanas. Existir desbravando cidades existentes a fim de descobrir as cidades inexistentes. No desenho-cartografia de uma deriva imagética (interativa?) é o que Pamella Araujo com giz vai investir numa grande parede-negra de B³, durante toda a semana da exposição. E na parede, Carla Lombardo também continua sua investigação picto-matérica “Sinto Animal” arranhando diretamente um site-especific com gesso e argila.

Vida e morte concreta da palavra que nasce do barro e volta para a Lama fecunda do mangue, Paisagem do Capibaribe é o vídeo-poesia de Carol Merlo e Camila Storck gravado  de acordo com a maré do dia ideal para depositar as letras de ‘ventre’ no mangue.  Líquida imagem de palavras como é o vídeo Queda d’agua, um monte de palavra água caindo que Marcela Camelo projeta na parte de fora dos fundos de Bcubico.

A obra em Realidade Aumentada de Charles Martins “As cartas que falam”, são cartas escritas por pessoas diferentes e endereçadas para 7 presidentes, dentre eles o uruguaio José Mujica, o angolano Amilcar Cabral e o brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Em uma sala escura, essas cartas ficam sobre uma mesa com uma luminária sob a qual o visitante forçosamente coloca a carta para vê-la e ouvi-la.

A mostra conta ainda com Heitor Martins que reflete sobre a construção e re-construção de uma identidade e a exposição dessa identidade no meio social. Meio social este que com seus padrões, Luiz Henrique concordando com Jean-Jacques Rousseau, corrompem o homem que nascem bons.  No chão da sala, o vídeo em looping Surpêlo mostra em plano fechado 2 homens peludos roçando-se os pentelhos e a barba. O áudio, enfatiza esse roçar de pelos. Luiz não quer se mostrar limpo e raspado,  ‘de  acordo’ com os padões de beleza e saude. Como diz o artista: Viva os pentêlhos! seja selvagem! seja a natureza, mesmo. Cada vez mais eu fico a parte do padrão, torno-me mais eu, saio do ciclo consumista do capitalismo.”

O capitalismo também detona a potência cênica de Thales Maniçoba, e suas “performances como provocação”.  Para Maniçoba, a arte tem que provocar conflito. “Minha intenção é dar vazão a urgência do que sinto, do que eu vejo. descarregar essas tensões em mim mesmo”. E para isso, ele pode se assumir uma pessoa de extrema direita, um classista, um penalista excludente.

A instalação de um desenho gráfico feito originalmente em software expandindo para o “espaço expositivo” é o “Bordado” de Kelly Saura. Nas palavras de Saura, ‘o trabalho se situa na zona de interseção entre a arte digital e o artesanato ao fazer, com uma tela de bordado a lã, uma analogia aos processos de formação da imagem em ambientes virtuais.” Com este trabalho, que será montado e  exposto ao mesmo tempo em para outro espaço expositivo, o Spa das Artes, Kelly discute a manufatura do artista e o “aqui e agora” da obra de arte.  Will Leal, também integra o arTTrainee 2013.

De 3 a 8 de novembro, vamos fazer em B³ uma exposição-processo do ArtTrainee, coincidindo com o spa e aproveitando esse momento de motivação no meio de “arte” recifense para dar visibilidade à nossa discussão.

Edson Barrus, 25 de outubro de 2013

 

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http://www.canalcontemporaneo.art.br/_v3/site/evento.php?idioma=br&id_evento=10759

 

http://www.agitorecife.com.br/eventos/mostra-arttrainee/1365

 

 

 

 

 

Author: Edson Yann

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