Reminiscences of a Journey to Lithuania (Legendas)

Reminiscences of a Journey to Lithuania, filme de Jonas Mekas 1972 82′ tradução  para legendas : txt-texto de cinema

No começo do outono,

em 1957 ou 58,

REMINISCÊNCIAS DE UMA VIAGEM A LITUÂNIA

numa manhã de domingo,

fomos para Catskills,

PARTE UM

para o bosque.

Andamos pelas folhas,

afastando as folhas com um pau.

Andamos e andamos,

cada vez mais para dentro.

Era bom andar assim

e não pensar,

não pensar nada sobre os últimos dez anos.

E estive me perguntando

se eu poderia andar assim

e não pensar sobre os anos de guerra,

de fome,

de Brooklyn.

E … quase, e talvez

fosse a primeira vez,

andando

pelo bosque naquele

dia de outono,

a primeira vez que eu não me senti

sozinho na América.

Eu senti

o chão, a terra

as folhas, as árvores,

e pessoas.

E era como se

aos poucos, eu fosse me tornando

parte disso.

Por um momento eu esqueci

da minha

casa.

Este era o começo

da minha nova casa

“Mais uma vez escapei das amarras do tempo”.

Eu disse.

A NOSSA RUA NO BROOKLYN (WILLIAMSBURG)

HENRY MILLER CRESCEU AQUI

Eu andava pelas ruas do Brooklyn,

mas as memórias,

os cheiros,

os sons que eu lembrava

não eram do Brooklyn.

UMA REUNIÃO DE REFUGIADOS EM STONY BROOK (1951)

Em algum lugar no fim da Atantic Avenue,

eles costumavam fazer seus piqueniques,

eu costumava assistir,

os velhos,

e os novos imigrantes.

E eles me pareciam

tristes animais, beirando a morte

num lugar ao qual eles não

pertencem,

num lugar

que eles não reconhecem.

Eles estavam lá,

na Atlantic Avenue,

mas eles estavam completamente em outro lugar.

EU, EM 1950, LOGO DEPOIS DE COMPRAR MNHA PRIMEIRA BOLEX

Uma parte da filmagem

fiz com a minha primeira Bolex.

Eu queria fazer um filme contra a guerra.

Queria gritar que havia uma guerra,

porque eu andava pelas ruas

e pensava que ninguém sabia

que havia uma guerra.

Eu achava que ninguém sabia

que haviam casas no mundo

nas quais as pessoas não podiam dormir,

onde portas estavam sendo arrombadas à noite,

PARÊNTEISIS

pelas botas dos soldados e da policia,

em algum lugar,

lá de onde eu vim.

Mas nesta cidade ninguém sabia disso.

PARÊNTESIS FECHADO

Sim, eu lembro de vocês, meus amigos

dos Campos de Refugiados,

dos miseráveis anos do pós-guerra.

Sim,

REFUGIADOS NO PÍER 21,NOVA IORQUE (1950)

nós somos,

nós ainda somos refugiados,

mesmo,

mesmo hoje,

e o mundo está repleto de pessoas como nós.

Cada um dos continentes

está cheio de refugiados.

No momento em que partimos,

nós estávamos indo para casa,

e ainda estamos indo para casa.

Eu ainda estou em minha viagem de volta à casa.

Nós te amamos,

mundo,

mas você fez

coisas abomináveis conosco.

Alguma vez…

você estava parado na Times Square

e de repente sentiu

bem perto de você e bem forte,

o cheiro da casca fresca

de uma bétula?

Meu irmão dizia

ser um pacifista

e detestar a guerra.

Então eles o recrutaram para o exército,

e o levaram de volta para a Europa,

de volta para todas as memórias da guerra.

Então ele começou a

comer as folhas das árvores

e pensaram que ele era louco.

Eles o mandaram de volta para o Estados Unidos.

PARTE DOIS

100 LAMPEJOS DE LITUÂNIA AGOSTO DE 1971

MAMÃE ( NASCIDA EM 1887)

E lá estava a mamãe,

e ela estava esperando.

Ela esteve esperando por

25 anos.

E estava o nosso tio,

que nos disse para ir para o ocidente:

” Vão para o ocidente crianças, e vejam o mundo.”

Então fomos.

E ainda estamos indo.

Os frutos silvestres, sempre frutos silvestres,

uogos, frutos silvestres.

uogos.

Nosso tio, o protestante,

protestante reformado, pastor e um homem muito sábio.

Ele era amigo do Spengler, e ele deixava todos os seus livros lá,

talvez fosse por isso que ele nos dizia para ir para o ocidente.

A casa, o sótão em que eu vivi nos meus anos de estudante.

Eu deixava uma corda pendurada para escorregar até lá no caso

dos alemães baterem na porta.

E quando estávamos chegando,

mais e mais perto

dos lugares

que conhecíamos tão bem,

de repente, na nossa frente

vimos

uma floresta.

Eu não reconheci os lugares.

SEMENISKAI ( CENTRO DO MUNDO)

Não haviam árvores quando partimos.

Plantamos pequenas mudas nos entornos,

sim, e agora as pequenas mudas cresceram,

se tornaram árvores enormes.

Nossa casa,

nossa casa ainda estava lá,

e o gato veio nos encontrar.

Então, o que é a primeira coisa que se faz depois de 25 anos se chega em casa?

É claro,

fomos até o poço para beber um pouco de água.

A água,

tem uma sabor diferente de qualquer outra água.

Oh!

água fresca de Semeniskiai!

Nunca, nem um vinho foi tão saboroso.

NA MANHÃ SEGUINTE

Está bem. Hoje é dia 7 de Agosto,

é a nossa primeira manhã em Semeniskiai.

E estamos tomando café.

A mamãe está reclamando que sua memória que está falhando.

Ela não consegue encontrar uma colher.

Ela tem dez, e não consegue encontrar nenhuma na manhã de hoje.

” A única coisa que se deve saber sobre a velhice ” disse ela,

“é que quando se envelhece você não consegue encontrar suas colheres”.

O TRABALHO DA MAMÃE NÃO TERMINA NUNCA.

Meu irmão Petras chega.

O IRMÃO PETRAS CHEGA (ECONOMISTA NA FAZENDA COLETIVA)

Nós conversamos sobre as árvores, sobre o quão alto elas ficaram,

sobre quanto elas cresceram.

NOSSO ANTIGO BANHEIRO AINDA ESTÁ LÁ

O IRMÃO KOSTAS CHEGA ( RESPONSÁVEL PELO CELEIRO NA FAZENDA COLETIVA VIENYBE)

MAMÃE PREPARA SEMENTES DE RUTA (ARRUDA)

NO CAMPO DA FAZENDA COLETIVA VIENYBE MEU AMIGO DA ESCOLA JONAS DIRIGE A MÁQUINA CEIFADORA

Decidimos ir ao campo,

para ver como se trabalha hoje em dia,

E fomos e o Petras nos levou,

ele estava bem emocionado, ele queria nos mostrar tudo.

E lá, em cima da máquina ceifadora,

se sentou Jonas Ruplenas que foi meu companheiro na escola,

ele costumava tomar conta das vacas e das ovelhas no campo.

E agora ele se senta ali,

e ele é tão grande,

e a máquina é tão grande,

e os campos são tão vastos.

O irmão Kostas canta uma canção sobre o trabalho coletivo na fazenda,

todos nos somamos.

O RITUAL DE MEDIR AS ALTURAS

Minhas divagações…

Claro, você gostaria de saber algo

sobre a realidade social.

Como vai a vida,

na Lituânia soviética?

Mas o que sei sobre isso ?

Sou um refugiado,

em meu caminho de volta para casa,

procurando minha casa,

retratando pedaços de memórias,

procurando algum pedaço reconhecível do meu passado.

O tempo em Semeniskiai

permaneceu suspenso para mim…

O IRMÃO POVILAS CHEGA (VETERINÁRIO NA GAIDZIUNAI)

…ficou suspenso

até a minha volta.

Agora,

pouco a pouco,

começa a se mover novamente.

NOSSA IRMÃ ALZBUNE QUE NÃO SE SENTE BEM

QUANDO SE JUNTAM MAIS DE UM LITUANO ELES CANTAM

Depois, todos fomos para a casa do Petras

e a coisa seguiu,

até tarde da noite.

Quando foi suficiente,

quando nos bastamos daquilo,

o Petras trouxe um pouco de feno

do celeiro,

e dormimos ali.

NA MANHÃ SEGUINTE NA CASA DO PETRAS

De manhã, o Petras levou de volta o feno para o celeiro,

Ele estava escondendo um pouco aquilo.

Ele disse, ” Não digam lá na América que dormimos no feno“.

Ele achou que aquilo seria engraçado.

RECEPÇÃO NA FAZENDA COLETIVA VIENYBE

Naquela tarde a fazenda coletiva Vienybe, que significa intimidade,

nos recebeu.

Uma fazenda coletiva está formada por seis ou sete…

por dezenas de ex-aldeias.

O ESCRITÓRIO DA FAZENDA COLETIVA

DE MANHÃ

Nossa mãe está contando sobre os terríveis tempos depois da guerra,

e sobre como a polícia esteve esperando por um ano que eu voltasse para casa,

eles pensaram que eu tinha me filiado aos partisans.

Todas as noites, a polícia ficava esperando atrás de casa,

no mato, que eu voltasse.

E os cachorros latiam e latiam.

PARÊNTEISIS

Mas eu era jovem, e naive, e patriota,

e estava editando jornal underground,

orientado diretamente contra a ocupação nazista, a Alemanha nazista,

e eu tinha esta máquina de escrever que escondia

numa pilha de madeira,do lado de fora, perto de casa.

E um ladrão, bisbilhotando numa noite

a encontrou e roubou.

E foi apenas questão de dias, ou de horas

para que os alemães o prendessem.

Eu tinha bem pouco tempo para fugir

e foi neste momento que nosso sábio tio nos disse:

” Meninos, vão para o ocidente. Vejam o mundo

e voltem”.

Fizeram uma documentação falsa para irmos para a Universidade de Viena,

e estudar lá,

e fomos.

A questão é que nunca chegamos lá.

Os soldados alemães levaram o nosso trem para Hamburgo,

e terminamos no campo de trabalho forçado

da Alemanha nazista.

PARÊNTESIS FECHADO

A CASA DO IRMÃO KOSTAS

Nós ficamos por ali,

e o Kostas voltou para casa mais cedo do seu celeiro.

Andamos entre as casas ;

tocamos algumas coisas com as quais costumávamos trabalhar.

Obviamente,

elas já não são usadas no campo.

mas

elas tem memórias para nós,

a forma como nós cortávamos a grama ao redor da casa.

Era realidade somente

como memória.

Perto da cerca,

no ferro-velho,

encontramos um antigo arado de disco.

Ele já não é mais usado hoje em dia,

e o Kostas meu irmão me disse,

” Está bem, agora empurre”,

e ele estava me batendo.

Ele disse, “Agora você filma isso,

para mostrar aos americanos

a forma miserável em que vivemos.”

É claro, ele achou que aquilo era muito engraçado.

Decidimos ir ver nossa antiga escola.

Nós todos fomos para a mesma escola.

Invernos longos, profundos e frios

pelos campos,

pelos rios congelados,

pela floresta,

andávamos para a escola,com nossos narizes congelados,

nossos rostos queimando no vento frio e na neve.

Mas ah, aqueles foram lindos dias!

Aqueles foram invernos que eu nunca vou esquecer.

Onde estão vocês agora,

meus amigos de infância?

Quantos de vocês ainda estão vivos?

Por onde vocês estão espalhados?

Pelos cemitérios,

pelos quartos de tortura,

pelas prisões,

pelos campos de trabalho da civilização ocidental.

Mas eu vejo seus rostos,

da mesma forma como eles eram.

Eles nunca mudam na minha memória.

Eles permanecem jovens,

sou eu que estou envelhecendo.

Esta é uma música nova,

ela fala sobre alguém que está longe

e ele diz, “Oh mãe,

como eu gostaria de ver você de novo.

Espero que a estrada longa e cinza

me leve para casa,

que me leve em breve para casa outra vez”.

VIMOS UM ALCE BEBENDO ÁGUA NO RIO

QUARTA MANHÃ

A MAMÃE FAZ FOGO

Hoje de manhã, o fogo demorou para pegar.

Nossa mãe cozinha ao ar livre, ela não gosta de cozinhar dentro da casa.

É muito quente e muito enfumaçado.

Ela gosta do ar livre.

E o fogo apenas não quis aparecer hoje de manhã.

Então, ela juntou alguns galhos secos,

algumas folhas e um pouco de jornal.

E continuou assoprando,

e eu o assoprei,

e

tomou um longo tempo, um longuíssimo tempo.

Mas finalmente pegou.

A MAMÃE ASSA PANQUECAS DE BATATA

Sim, eles ficavam te esperando todas as noites,

por mais de um ano, atrás do banheiro.

Os cachorros latiam todas as noites,

ela disse.

Todas as mulheres da minha aldeia,

que eu lembro da minha infância,

sempre me recordam dos pássaros,

dos tristes pássaros de outono,

ao voar pelos campos,

chorando tristemente.

Vocês levaram uma vida dura e triste,

mulheres da minha infância.

MAMÃE EM KAUNAS

A FAMÍLIA DO NOSSO PRIMO POVILAS ( ENGENHEIRO DA COMPUTAÇÃO)

O dia em que ia embora,

estava chovendo.

O aeroporto estava molhado.

Era triste.

Era engraçado.

Eu estava olhando para as pernas.

Eu lembrei do meu velho amigo Narbutas que dizia,

“Enquanto um homem estiver olhando para as pernas das mulheres,

ele não deve se casar”.

Então acho que não vou me casar nem tão cedo.

PARTE TRÊS

PARÊNTESIS

EM ELMSHORN, UM SUBÚRBIO DE HAMBURGO

Em Elmshorn, Adolfas está deitado

exatamente no lugar onde a nossa cama

ficava, no campo de trabalho forçado.

Quando perguntávamos às pessoas das redondezas,

ninguém lembrava que havia um campo de trabalho aqui.

Só a grama se lembrava.

A FÁBRICA GEBRUNDER NEUNERT AINDA ESTÁ LÁ

Uma das fábricas, a Gebruder Neunert,

onde nos costumávamos levar para trabalhar, junto

com prisioneiros de guerra franceses, russos e italianos, ainda está no mesmo lugar.

Este é o banco onde eu trabalhava,

onde fui punido por trabalhar devagar demais, e por ter “respondido”.

O capataz reconheceu o Adolfas.

Falamos disso e daquilo.

Ele era jovem, bom um capataz.

Em março de 1945,

fugimos e corremos para a Dinamarca

e nos pegaram perto da fronteira da Dinamarca

e quando eles estavam nos mandando de volta,

escapamos outra vez,

e nos últimos três meses de guerra,

nos escondemos numa fazenda em Schleswig-Holstein.

Do lado de fora, enquanto meu irmão estava olhando

e se lembrando,

tinham crianças em volta.

Eles achavam muito engraçado

essas pessoas estranhas e vinham ver,

de pé, olhando.

Eles achavam aquilo realmente engraçado.

Ausländer.

Corram, sim corram crianças.

Eu também corri daqui uma vez,

mas estava correndo pela minha vida.

Espero que vocês nunca tenham que correr pela vida de vocês.

Então, corram crianças, corram.

PARÊNTESIS FECHADO

VIENA, AGOSTO 1971

SANTO PETER KUBELKA

A ADEGA DE VINHOS DO PROFESSOR MIKUTA

Eu estava olhando para o Peter e percebi que o invejava.

Invejava sua paz,

sua serenidade.

Sua forma de ser consigo,com as coisas a sua volta,

com as coisas com as quais ele sempre esteve,

em casa, no lugar, no tempo,

SANTO NITSCH COMPRA UM CASTELO PARA SEU TEATRO

na mente,

na cultura.

A CADA DE WITTGENSTEIN

SANTA ANNETTE

Annette.

Ela anda por Nova Iorque e por Viena

com o mesmo otimismo e coragem.

Eu a admiro,

eu admiro a Annette, por fazer da cultura suas raízes,

sua vida.

E tem o Herman Nitsch,

perseguindo sua meta, sem ceder nenhum milímetro.

Heroicamente.

E o Ken Jacobs,

que tem a coragem

de permanecer como uma criança

na pureza do seu olhar

e em sua euforia.

UMA VISITA AO MONASTÉRIO EM KREMSMUNSTER

Não, não fui à Viena naquela época,

mas circunstâncias estranhas

me trouxeram de volta,

muito depois.

E aqui estou,

agora.

Devagar, começo enquanto vou andando por Viena com o Peter,

e enquanto conversávamos, enquanto amos pelas galerias,

pelos monastérios e Demel

pelas adegas de vinho,

e pelos vinhedos;

eu voltei a acreditar

na indestrutibilidade do espírito humano;

em certas qualidades,em certos padrões.

Eles foram estabelecidos

pelo homem,

ao longo de milhares de anos,

e permanecerão aqui quando partirmos.

Ficamos lá,

naquela tarde de agosto em Kremsmünster.

Alguns amigos na cobertura de um monastério de 1200 anos,

e a noite vinha chegando,

o sol estava se pondo.

Uma luz azul caía sob a paisagem.

Estava muito, muito tranquilo,

nossos corações e nossas mentes extasiados.

TARDE DA NOITE, NO CAMINHO DE VOLTA, VIMOS VIENA QUEIMANDO

No nosso caminho de volta

para Vienna,

ao longe,

avistamos fogo.

Viena que estava queimando.

O mercado de frutas pegou fogo.

O Peter disse que era uma pena.

Era o seu mercado favorito.

Ele disse que era o mercado mais bonito de Viena.

Ele disse que provavelmente a cidade tocou fogo,

para livrar-se dele.

Eles agora querem um mercado moderno.

FIM DAS REMINISCÊNCIAS

tradução / legenda:

// .txt – texto de cinema //

 

Author: Edson Yann

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