Ryan Trecartin O cinema mutante A internet real esta em vocês !

No início de 2000, Ryan Trecartin començou a realizar videos singulares. Singulares porque eles retratam um grupo em constante, e também mostram como as novas tecnologias e redes abalaram, e até mesmo hoje continuam abalando, nossas relações e nossos comportamentos, seja em se tratando do usuário, do elaborar, do processamento e da transformação dos aspectos audiovisuais que elas implicam, e que fazem os seus filmes parecerem estar em constante devir.

Estes primeiros trabalhos apresentam personagens que desempenham um papel, o seu próprio ou o de um avatar qualquer . Este personagem real ou fictício não se origina do « encontro casual em uma mesa de dissecação de uma máquina de costura e um guarda-chuva », mas baseia-se na presença explosiva de diferentes programas de televisão (tipo talk show ou Big Brother Brasil) a partir de um cotidiano banal. Este cotidiano é atingido pela farsa de um humor trash et camp, e ver se enxertar nele um novo campo autônomo que concerne a aparência e a mutação constituintes de imagens e sons.

Se a erupção do monólogo, da conversa para a câmera não é nova como podemos encontrar em Andy Warhol e muitos outros diaristas, (como Boris Lehman, Anne Charlotte Robertson, Nelson Sullivan ou Jonathan Caouette) já fizeram a sua fala “uma partilha”. No entanto, essa fala assume uma nova dimensão com as ferramentas da web, que nos habitaaram as redes sociais ou as plataformas de difusão. Ao contrário das “Estrelas” da Factory de Warhol que dirigiam para si mesmos, tanto quanto para a câmera, brincando com a possibilidade de uma conversa aparente, a fala é agora mais diretamente narcisista. Falando para a câmera, o nosso discurso e a nossa própria imagem estão imediatamente disponíveis e potencialmente acessíveis para muitas pessoas. O volume e tom da voz podem ser manipulado. A voz nem sempre corresponde ao gênero da pessoa que a expressa, e essa incongruência revela a extensão das manipulações execudatas pelo artista na pós-produção, manipulações que afetam a « doce » irrealidade de um cotidiano pelo menos assistido (na televisão realidade como ready-made assistido). O som da voz, como qualquer outro atributo do personagem são pensados como ferramentas, aplicativos e, portanto, transcende as idéias de pertencimento a um personagem definido.

Desde os primeiros trabalhos de Ryan Trecartin estamos imersos em um universo composto (no sentido definido Lev Manovich). Um universo fotográfico e sonoro criado a partir de um real modificado (encenado, roteirizado, interpretado), mas também procede da realidade de efeitos digitais aplicados ao som e à imagem desse real. Os filmes de Ryan Trecartin fundem essas duas instâncias da realidade para criar um mundo contemporâneo no qual múltiplas interpretações da realidade se atualizam ao mesmo tempo. Nós não estamos na presença da disjunção, mas do excesso. As realidades distintas que são essas duas etapas da produção de um filme são então colocadas a serviço, não do seu apagamento – como é o caso dos filmes de Hollywood que escondem a tecnologia para supervalorizar os efeitos especiais – mas para lhe mostrar na produção de uma realidade « compósito » que afirma estes dois momentos simultaneamente. Em vez de elaborar um espaço virtual contínuo, como faz os filmes de diversão, alisando, suavizado as superfícies, Trecartin, como Nam June Paik nas suas obras, preserva as fronteiras entre o mundo fotografico registrado e as imagens geradas, e com elas todos os traços que permitem estabelecer um choque de mundos, tanto quanto de culturas. Esse confronto é o centro do dispositivo narrativo desenvolvido pelo artista através de seus retratos de grupo, e no qual o banal e o cotidiano podem deparar a cada clique ou declique. A reificação do banal nos primeiro vídeos de Trecartin, está associada a banalização dos efeitos digitais básicos específicos dos softwares como i-movie. Esse duplo movimento atravessa a abordagem do artista que brinca com, e se diverte alegremente de todas as armadilhas de uma crítica frontal que alimenta os usos do mundo contemporâneo. Não se trata de denunciar as rupturas de comportamentos que a televisão e a Internet introduziram moldando novas atitudes e novas formas de relações, mas sim de compor com elas, e de ver como podemos transcendê-las.

 O primeiro video de Trecartin, Kitchen Girl (2001) http://www.ubu.com/film/trecartin_kitchengirl.html , parece ser um pastiche, e demonstra a influência de pessoas como Mike Kelly e Paul McCarthy, sem esquecer Tony Oursler, muitos artistas em que o mau gosto se erguiu como uma crítica de uma vida cujas condições são bastante alienante. Mas essas influências que percebemos são construções nossas. Ryan Trecartin não sabia desses artistas. Com Kitchen Girl estamos na presença de um “mal feito bem formatado“, mas no qual, a dimensão lúdica da web ainda não era afirmada como modo de propagação.

Trecartin opera esta passagem com uma política do excesso, uma acumulação de imagens e informações textuais ou sonoras.Esse acúmulo também afeta os personagens que deslizam de um gênero para outro, o que se travestem de um plano para outro, mudam de voz, ou até mesmo, são modificados pelos efeitos do sotfware. Se seu pertencimento a um gênero se limita à maquiagem, a questão do gênero, confinará-se então a sua dimensão teatral, e se oporá assim a compreensão de Judith Butler quando afirma que o “gênero não é um artifício que se coloca ou se tira a seu critério…“. Isso quer dizer portanto que a questão do gênero não é evacuada neste artificio da maquiagem. Para Ryan Trecartin, os gêneros não são definitivamente fixados a um tipo de sexualidade – de fato, a sexualidade não é muito presente em seu trabalho – eles estão sujeitos a várias transformações – os transgêneros sendo um daqueles que se manifestam mais freqüentemente – tranformações que podem habitar a mesma pessoa, simultaneamente ou sucessivamente. Como ele admite falando sobre seus personagens, o que lhe interessa é a instabilidade na definição e atribuição de um gênero, e essa indeterminação ou oscilação para o trans/gênero. « Isso parece mais à distorção de uma perspectiva e a criação de um gênero pessoal, a uma mudança perpétua e uma inconsistência. Eu a percebo como uma sexualidade distanciada do genital para a criação de um espaço pessoal ou de estruturas de percepção individualizadas “.

Em I Be Aera (2007), http://www.ubu.com/film/trecartin_area.html as questões do género tomaram uma outra dimensão em qual « cross dressing, cross-identificação e cross pensamento fazem parte de um estado de ser, não como declaração de posição política . (Cotter Holland). Neste video, Ryan Trecartin é I Be II, mais também o clone muito independente dele com o nome I Be A video e um dia na vida deste personagem. Neste video ele é uma moça chamada Oliver e um outra /outro chamada/o Pasta que tem um corte de cabelo ala holandesa.

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Author: Edson Yann

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