VALIE EXPORT : I Turn My Pictures of My Voice in My Head / legendas
I Turn My Pictures of My Voice in My Head, 2009 12′ cor, som
A voz desliza de mim, me deixa, distancia-se de mim. Segue o próprio caminho. Me trai, torna-se traidora, eu amo e odeio isso. Fico sem palavras quando a perco, está perdida, é luxuria quando a ouço. Aproximo-me da minha voz, mas ela se afasta de mim. Investigação, percepção, estruturas do discurso. Ouço minha voz, reconheço-a, é entendimento, é efêmera. O caminho da minha voz desaparece nos eventos do futuro, desaparece nos traços de pensamento de percepções silenciosas, quando falo, ajo. Posso libertar a tarefa vocal das ações? Posso libertar a voz das palavras, dos sons, dos movimentos da respiração? Posso libertar a voz da sua melodia, posso tocá-la como um instrumento musical? É meu evento, me excita. Excito minha voz, a voz é excitação, é prazer, é construída com fragmentos, sua arquitetura é vertical, horizontal, em diagonais e espirais, oscila entre cultura, mitologias da civilização, lasca nas costuras, nas ranhuras dos excessos.
Mal falei um som e ele já desapareceu. Deixa seu traço na percepção da minha voz pelos “outros”. A voz é um instrumento e toca sua melodia. Poder e impotência são composições da voz. Minha voz é o traço tanto do meu corpo individual quanto do meu corpo social, ela costura as partes, costura os padrões da minha efêmera identidade, mas não é propriamente minha, fala por si só. Minha voz é entidade com desejos, receptiva à todas expressões de desejo; carrega em si um amor narcisista. É “receptivo à todas expressões de desejo: à atenção e desejo, à disputa e respeito.” (citação de Lucien Israel).
Aguardo o retorno da minha voz, quando volta, no momento dos gestos, como eco da pele espelhada, como fragmentos de saudade, como liberdade das compulsões. Não tenho que entender o retorno da minha voz, mas ela é indispensável para mim. O retorno da minha voz é prazeroso e também doloroso, é um aproveitamento, é único. “Dia após dia devo trilhar meu caminho em uma floresta de vozes, devo usar todas bússolas e facas disponíveis para não ficar preso nela. Há vezes das outras pessoas, dos animais, as vozes dos aparatos da civilização, as vozes das músicas, das cidades, as vozes dos altos e baixos, da guerra, da mídia e no centro de tudo isso está minha voz, minha voz-propriedade. Todas essas vozes sussurram, choramingam, gritam, persuadem, entretêm, seduzem, comandam, apelam, rezam, terrorizam, anunciam, atacam. Cada uma dessas vozes consegue superar infinitamente seu significado. todas estas vozes são elevadas a múltiplos sons e barulhos de uma floresta ainda maior e mais selvagem: os sons da natureza e os produzidos por máquinas e tecnologias. A voz é signo da vida (Mladen Dolar).
A voz é cercada de significados. Aponta, não com bastão, mas com o som. É flecha rápida que fura o largo corpo da linguagem, atinge buracos, aberturas na carne da linguagem, acerta-a, mata o corpo da linguagem. Meu corpo é a voz separada, minha voz é o corpo. Olhando sinto meu corpo quando meus sentimentos incorporam-se em grito. Grito tanto, tão alto, tão estridentemente que minha voz falha e minha voz interior, a que não pode ser silenciada, fala comigo e para fora de mim, voz na qual desenvolvi meu grande amor. Repousa no banho químico do que é audível, o auditivo.
A voz vive em mim, é o mar em mim, é meu assunto, essa voz tem sua auto expressão, é a escada que escalo com palavras. Essa voz é destruir a fenda na qual se esconde minha voz, na qual o eco da minha voz reverbera. “Minha voz é o instrumento, o veículo, o meio, o significado, o objetivo.” (Mladen Dolar). Ouço minha voz, ela fala comigo, vejo as imagens da minha voz no meu corpo. Vejo imagens da minha voz na minha cabeça, torno-me as imagens da minha voz na minha cabeça. Formo círculos, quadrados, pirâmides com elas, viro-as, inclino-as, mas não posso consertar as imagens da minha nos olhos da minha mente. Na sua perspectiva, estão juntas as sombras. Voz é destruir.
Tradução: B³ / Lucas Aquino