Keith Sanborn: Todos os cavalos do rei e todos os homens do rei:

uma Passagem do Noroeste para o cinema da Internacional Situacionista

20 de Março 2014

 

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‘Eu não sei o que você quer dizer com “glória.”’ Disse Alice.

 

Humpty Dumpty sorriu com desdém. ‘É claro que você não sabe – até eu te dizer. O que eu quero dizer é: “eis aí um argumento arrasador para você!”’

 

‘Mas “glória” não significa “um argumento arrasador”’, objetou Alice.

 

‘Quando eu uso uma palavra,’ Humpty Dumpty disse em tom desdenhoso, ‘ela significa exatamente o que eu quero que signifique – nem mais nem menos.’

 

‘A questão,’disse Alice, ‘ é saber se você consegue fazer com que as palavras signifiquem tantas coisas diferentes.’

 

‘A questão é,’ disse Humpty Dumpty, ‘saber quem é que manda – é só isso.’

1.

Se houvesse um caso em que “glória” pudesse significar “um argumento arrasador,” então esse deveria ser a Internacional Situacionista. Suas teorias e atividades estão, como eles próprios sugeriram, na cabeça de todos. Durante a vida da organização, entre 1957 e 1972, a IS despertou hostilidade de quase todos os setores culturais e da vida política. No período após sua autodissolução, tornou-se uma medida global crítica para a segunda metade do século XX e além, inspirando não apenas demissões cada vez mais agressivas, mas hagiografias mal amadurecidas e inevitáveis tentativas de recuperação pelo mundo da arte, mídia, políticos e academia – os mesmos setores que a Internacional Situacionista atacou com tanta veemência. Este choque entre a Internacional Situacionista – em seus ataques estratégicos ao poder hierárquico do Estado e da Mídia – e aqueles no poder – que tentavam adaptar essas mesmas estratégias de oposição a fim de manter seu monopólio do poder – servem para ilustrar o processo histórico e dialético do détournement e da recuperação que está no coração do projeto Situacionista.

Compreender – se não decodificar – o significado de “détournement” na teoria e na prática da Internacional Situacionista é a chave para entender sua situação histórica dentro do campo de possibilidades para fazer sentido, fazer história e fazer cinema.

2

Comece pelo começo,’ o Rei disse gravemente, ‘e continue

até chegar ao fim: então pare.’

O Rei de Copas para Alice, em Alice no País das Maravilhas

Para definir “détournement”, o caminho mais óbvio pareceria ser as “Définitions” criadas pelos próprios Situacionistas para a primeira edição da Internacionale Situationiste em 1958:

détournement

 

Empregado como abreviação da fórmula: détournement de elementos estéticos pré-fabricados. Integração de produções atuais ou passadas das artes em uma construção superior do milieu. Nesse sentido não pode haver pintura ou música situacionista, mas apenas um uso situacionista desses meios. Em um sentido mais primitivo, o détournement no interior de esferas culturais antigas é um método de propaganda, que testemunha o desgaste e a perda de importância dessas esferas.1

Essa definição acrescenta um registro técnico particular para a palavra, que é ao mesmo tempo uma deformação e uma extensão de usos convencionais preexistentes, como “détournement de fonds” [“desvio de fundos”], “détournement d’un avion” [“desvio de um avião”] e, é claro, “détournement d’une mineur” [“desvio de menor”] E poderíamos muito bem nos perguntar qual “milieu” [“meio”] estaria envolvido. Mais sobre isso mais tarde. Devemos notar também a recusa significativa aqui para permitir que “situacionista” seja usado como adjetivo para descrever pintura ou música; só pode haver um uso situacionista desses meios. Essa recusa é um elemento importante para a crítica situacionista da ideologia. Não muito longe fora de quadro está sua consciente e frequentemente expressa rejeição da trajetória da assimilação cultural do Surrealismo, ou seja, sua recuperação e mercantilização pela cultura dominante, com a cumplicidade dos próprios Surrealistas. Essa rejeição nominalista é expressa mais abertamente em uma sequência de duas entradas que aparecem em lugares diversos no mesmo “Définitions”:

Situacionista

Referente à teoria ou à atividade prática de uma construção de situações. Aquele que se dedica a construir situações. Membro da Internacional Situacionista.

 

Situacionismo

Vocábulo privado de sentido, forjado de modo abusivo por derivação do termo precedente. Não existe situacionismo, o que significaria uma doutrina de interpretação dos fatos existentes. A noção de situacionismo é evidentemente concebida pelos anti-situacionistas.2

Um situacionista é definido por suas atividades, não por alguma essência ideológica. Um situacionista é também definido por suas relações com a Internacional Situacionista e com aqueles que se opõem a ela. Críticos pós-situacionistas da IS fizeram uso deliberado do termo “situacionismo” para atacar a IS e provocar os admiradores “pró-situ” da IS.

A partir daqui poderíamos proceder cronologicamente a algumas observações provenientes dos ensaios que lidam explicitamente com o “détournement”, como “Mode d’emploi du détournement” [“Um manual para o desvio”], de 1956, ou “Le détournement comme négation et comme prelude” [“Détournement como negação e como prelúdio”], de 1959, escritos por Debord e Wolman. Mas nossa Passagem do Noroeste deve necessariamente seguir rotas mais indiretas e menos viajadas. Ao invés disso, vamos examinar “Les mots captifs (Préface à un dictionnaire situationniste)” [“As palavras cativas (Prefácio para um dicionário situacionista)”], de Mustapha Khayati, na Internationale Situationiste número 10, de 1966:

Nosso dicionário será uma espécie de grade com a qual poderemos decifrar as informações e dilacerar o véu ideológico que recobre a realidade. Daremos as traduções possíveis que permitem apreender os diferentes aspectos da sociedade do espetáculo e mostrar como os menores indícios (os menores sinais) contribuem para mantê-la. Se trata de alguma forma de um dicionário bilíngue, pois cada palavra possui um sentido “ideológico” do poder e um sentido real; que acreditamos corresponder à vida real na fase histórica atual. Também poderemos, a cada passo, determinar as diversas posições das palavras na guerra social. Se o problema da ideologia é saber como descer do céu das ideias para o mundo real, nosso dicionário será uma contribuição à elaboração da nova teoria revolucionária, na qual o problema é saber como passar da linguagem para a vida. A apropriação real das palavras que trabalham não pode ocorrer à margem da apropriação do próprio trabalho. O estabelecimento da livre atividade criadora será, ao mesmo tempo, o estabelecimento da verdadeira comunicação, enfim livre, e a transparência das relações humanas substituirá a pobreza das palavras sob o antigo regime da opacidade. As palavras não deixarão de ser produzidas enquanto os homens não deixarem de fazê-las.3

A função de um dicionário situacionista deve ser estratégica e dialética. Um dicionário convencional serve para reforçar relações existentes de poder; um dicionário situacionista deve servir para decodificar a linguagem do poder, da ideologia e, através da tradução, acionar a passagem da linguagem para a vida. Essa abordagem deve ser lembrada quando se tenta compreender a poética situacionista. O projeto de Khayati também traz um aviso para aqueles que se aproximariam do projeto situacionista:

Devemos desde já impedir a falsificação de nossas teorias, sua possível recuperação. Utilizamos conceitos determinados, já utilizados por especialistas, mas dando-lhes um novo conteúdo, voltando-os contra as especializações que eles sustentam e contra os futuros pensadores pagos que (como Claudel com Rimbaud e Klosowski com Sade) estariam tentados a projetar sua própria decadência sobre a teoria situacionista. As futuras revoluções devem inventar elas mesmas sua própria linguagem.4

E então devemos traçar nossa própria rota, inventar nossa própria linguagem. E enquanto as definições são contribuições básicas para o que podemos chamar de léxico do détournement, para compreendermos corretamente a importância de questões maiores devemos explorar sua situação dentro do contexto mais amplo da teoria e da prática Situacionista. Podemos, então, encontrar nosso caminho para as atividades situacionistas no cinema, mas não antes. Senão “détournement” se reduz a um tipo de tique ou tática formal, como se uma única palavra proporcionasse a chave para desvendar o código situacionista. É crítico que ele seja compreendido como uma estratégia de intervenção social dentro da dinâmica da organização, ou então ele será compreendido apenas parcialmente, e isso significa que ele não será absolutamente compreendido. Pois é exatamente contra este processo – de mercantilização, de fragmentação e de compartimentação pela linguagem do poder hierárquico – que a IS direcionou seus esforços.

3

‘O senhor parece ter muita habilidade para explicar o sentido das palavras,’ disse Alice. ‘Poderia me fazer a gentileza de explicar o sentido do poema “Jaguadarte”?’

‘Vamos ouvi-lo,’ disse Humpty Dumpty. ‘Eu posso explicar todos os poemas que já foram inventados – e uma boa parte dos que ainda não foram inventados.’

Vamos retornar a Humpty Dumpty. Na oitava edição da Internationale Situationiste, em um artigo entitulado “All the kings men” [“Todos os homens do rei”], Michelle Bernstein nomeia Humpty Dumpty como o “patron social en la matière [de l’emploi des mots]”[“gerente corporativo em matéria de uso das palavras”].

Ela começa:

O problema da linguagem está no centro de todas as lutas pela abolição ou pela manutenção da alienação atual; inseparável do conjunto do terreno dessas lutas. Vivemos na linguagem, como no ar poluído. Ao contrário do que pessoas espirituoasas podem pensar, palavras não jogam. Elas não fazem amor, como pensava Breton, exceto em sonhos. Palavras trabalham a serviço da organização dominante da vida. Elas não são, no entanto, robotizadas; para o azar dos teóricos da informação, palavras não são “informacionistas”; forças se manifestam nelas, o que pode contrariar os cálculos. Palavras coexistem com o poder em uma relação análoga àquela que os proletários (no sentido clássico e também no sentido moderno do termo) podem manter com o poder. Empregadas quase todo o tempo, utilizadas em tempo integral, em seu sentido pleno e completamente sem sentido, elas permanecem, em algum aspecto, radicalmente estranhas.

 

O poder apresenta apenas a falsa carteira de identidade das palavras; ele impõe a elas um documento de viagem, determina seu lugar na produção (onde algumas trabalham hora extra); de certa forma paga seu salário a elas. Vamos reconhecer o lado sério de Humpty Dumpty, de Lewis Carrol, que considera que toda a questão do emprego das palavras é “quem é que manda. É só isso.” E como o gerente administrativo no assunto, ele afirma que paga o dobro àquelas que utiliza muito. Devemos entender também a insubordinação das palavras, sua fuga, sua resistência aberta, que se manifesta em toda a escrita moderna (de Baudelaire aos dadaístas e à Joyce) como o sintoma da crise revolucionária de toda a sociedade.

 

Sob o controle do poder, a linguagem sempre designa algo diferente da experiência autêntica da vida. É aí que reside a possibilidade de um completo desafio. A confusão na organização da linguagem tornou-se tal que a comunicação imposta pelo poder se revela como uma impostura e uma decepção.5

A linguagem está no centro da luta. E contrariamente aos pronunciamentos Olímpicos dos teóricos da informação (e antropologistas estruturais) – dois dos mais merecidos e celebrados bodes expiatórios dos Situacionistas – as palavras e as pessoas que as utilizam podem recusar, e de fato recusam, se submeter à ordem estabelecida da economia do mercado. Como Debord diz em outro lugar, en détournant o antigo ditado surrealista: “Não a poesia a serviço da revolução, mas a revolução a serviço da poesia.” A questão é, de fato, quem é que manda – no sentido Hegeliano – e essa permanece uma questão a ser colocada constantemente.

Um método muito simples de expor a decepção a qual se refere Bernstein já havia sido sugerido por Attila Kotanyi no quarto número da Internationale Situationniste em um curto ensaio intitulado “Submundo do Crime e Filosofia” [“Gangland et Philosophie”]:

É necessário desenvolver aqui um pequeno resumo do vocabulário détourné. Proponho que, às vezes, ao invés de ler “bairro”, lêssemos: submundo. Ao invés de “organização social”: proteção. Ao invés de “sociedade”: raquete. Ao invés de “cultura”: condicionamento. Ao invés de “lazer”: crime protegido. Ao invés de “educação”: premeditação.6

Isso faz sentido, mas como o próprio Kotanyi realça, citando Debord: “A arte integral, da qual tanto se fala, pode ser realizada somente no nível do urbanismo.”7 Devemos compreender “poesia” não como versificação, mas em seu sentido original de fazer e refazer o mundo.

O exercício de Kotanyi é tão limitado quanto conciso, mas a fim de finalmente entender a situação em um nível além da mera substituição e inversão, vamos retornar à Berstein e sua análise mais extensa da linguagem, do poder e da organização social:

Todas as linguagens fechadas – aquelas dos grupos informais de jovens; aquelas das atuais vanguardas, a partir do momento em que elas estão se encontrando e se definindo, elaboram para seu uso interno o que, antigamente, era transmitido como produções poéticas objetivas para o mundo exterior, chamados de “trobar clus” ou de “dolce stil nuovo”, – todas têm como objetivo e resultado efetivo a imediata transparência de um certo tipo de comunicação, de reconhecimento mútuo, de acordo. Mas tais esforços são produto de grupos restritos, isolados de diversas formas. Os eventos que poderiam desenvolver, as celebrações que podiam fazer, tiveram que permanecer dentro dos limites mais rigorosos. Um problema revolucionário é federar estes tipos de soviéticos, estes conselhos de comunicação, a fim de inaugurar uma comunicação direta em todos os lugares, que não teriam mais recursos à rede dos adversários (ou seja, à linguagem do poder), e assim seriam capazes de transformar o mundo de acordo com seus desejos. 8

Berstein expõe, de modo sucinto, duas das mais notórias questões acerca da Internacional Situacionista: a questão da organização revolucionária e a questão do complexo e deliberadamente artificial uso da linguagem pela IS, que os críticos denominaram pejorativamente de seu “jargão”. Berstein identifica os usos específicos das “linguagens fechadas” [“langages fermés”] por grupos informais de jovens e por vanguardas artísticas, no momento de sua auto-definição, com os modos de expressão altamente alusivos e herméticos dos trovadores provençais, “trobar clus,” e de Dante e seu círculo, “il dolce stil nuovo.” Ela reconhece que a mesma qualidade dessas “linguagens fechadas”, que permite transparência de comunicação, reconhecimento mútuo e acordos dentro do grupo, pode também prejudicar a comunicação entre grupos com ambições paralelas. O problema continua sendo como federar esses conselhos – “soviét”, afinal, significa “conselho” – utilizando uma linguagem suficientemente comum para facilitar a comunicação geral e suficientemente afastada das redes oficiais de comunicação para manter a possibilidade de transformar o mundo de acordo com os desejos daqueles que o compartilham. O problema da criação de uma linguagem comum de revolução que não se degenere em um sinistro ou risível Esperanto persiste até hoje.

A questão das “linguagens fechadas” também foi retomada por Alice Becker-Ho, associada de longa data aos situacionistas e viúva de Debord. Em dois trabalhos, intitulados Os Príncipes do Jargão [Les Princes du Jargon] e A Essência do Jargão [L’Essence du Jargon], ela dedica tempo e talento a uma investigação do argot francês [da gíria francesa]e de seus usos na linguagem de origem romani das “classes dangereuses” [“classes perigosas”]. Quando ela descreve a paradoxal artificialidade e estabilidade, de um lado, e a capacidade de adaptação lúdica da gíria, Becker-Ho está descrevendo uma situação paralela àquela descrita por Berstein:

Não é preciso ser sociólogo para admitir o objetivo criptológico da gíria como meio de defesa coletiva do grupo, nem ser poeta para perceber o aspecto criativo e lúdico dessa linguagem. Mas como tal, ela tem suas próprias regras: ela deve ter mais estabilidade do que a língua falada ordinariamente. É uma questão de se fazer compreender, e em condições particulares, geralmente difíceis.9

Ela confirma essa observação com uma citação de Ballades en Jargon [Baladas em Jargão] de Villon, que compartilha de uma circulação pública paralela a da poesia de trobar clus: ambas eram codificadas para permitir com que alcançassem seu público-alvo e para confundir aqueles que iriam reprimi-los. Talvez as Presidentes Roussef e Merkel devessem confiar em formas mais ágeis de criptografia para suas conversas telefônicas, mas elas estão no ramo de negociação do poder, não de subversão, então elas não poderiam ter pensado nisso.

Becker-Ho também insiste na natureza transitória da gíria e em sua distinção da “poesia”:

Gíria é uma linguagem falada secreta escrita na água. Quando tentamos encontrar na linguagem secreta uma origem poética, é por falta de conhecimento dos princípios e chaves. Inversamente, no reino da poesia e das imagens, gostaríamos de estruturar tudo, com chaves, por falta de experiência, em matéria de linguagem, com o poder original de criação. Na gíria, a inegável parte poética deve ser posicionada à jusante, e não à montante, de sua formação, como a poesia, que é concebida apenas a partir da linguagem. Não existe poesia nos murmúrios de um recém-nascido. A poesia passa pela cultura, a gíria pelo “trompe l’oeil” como as mensagens codificadas da Rádio de Londres, que tocava com alguma técnica que se semelhava à poesia pós-dadaísta.10

A poesia passa pela cultura; a gíria é um modo de criar uma ilusão. Mensagens codificadas podem imitar aspectos formais da poesia, mas não são poesia. Ela nota que seus estudos têm diversas vantagens importantes se comparados aos outros feitos até agora: seu conhecimento de romani, que ela vê como uma fonte comum para muitos elementos da gíria, sua habilidade em buscar conexões entre várias línguas e, mais importante, seu conhecimento direto de “as classes perigosas” [“les classes dangereux”]. Um dicionário adequado de gírias nunca poderia ser concebido do exterior, e seria desnecessário para aqueles de dentro. Seria um tipo de traição, a não ser que fosse feito apenas como registro histórico, servindo como inspiração para futuros esforços. A gíria deve sempre mudar mais rápido do que a polícia.A Sua definição de gíria que aproxima-se mais diretamente do jargão situacionista é esta:

A essência do jargão não é nada mais do que o espírito das classes perigosas.

 

O espírito das classes perigosas é a capacidade de saber como distinguir, a todo momento, quem está deste lado da fronteira, ou do outro, e como se comportar em cada caso. É com esse objetivo que o jargão foi criado, cujos termos refletem o espírito da gíria, este mundo dos fora-da-lei, e em permanente guerra contra o mundo “normal” da submissão. “É a linguagem da contradição, que deve ser dialética tanto em sua forma quanto em seu conteúdo.” [Debord, A Sociedade do Espetáculo]

 

A gíria é o que as classes perigosas possuem. Mas ao contrário da linguagem normal, ela deve ter, além da função de comunicação, a de proteção. Como linguagem do conflito, ela deve ser estratégica. Deve, de algum modo, falar duas línguas ao mesmo tempo: chachipé con jujána (verdade com mentiras). Informar um amigo, um cúmplice, dizendo a verdade (tchatcho); não chamar a atenção do inimigo ao enganá-lo: “Andamos na terra da verdade, mas andamos com muitos contatos secretos (…) é que andamos com várias intenções.”11

O “jargão” da Internacional Situacionista é também a linguagem da contradição, que deve ser dialética tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, uma vez que é também a linguagem usada como arma para combater os modos existentes de linguagem, pensamento e produção. Logo, tentativas de decodificá-lo, corrigi-lo e recuperá-lo para estabelecer dicionários situacionistas e etimológicos devem necessariamente negar essa linguagem no próprio projeto de compartimentá-la. Em qualquer caso, o que tem valor deve e irá transformar-se, uma vez que responde dialeticamente às mudanças nas condições sociais.

O livro Mémoires [Memórias] de Debord, originalmente encadernado com lixa, é um reconhecimento condensado da relação entre o projeto situacionista e suas estratégias linguísticas em relação ao mundo que os cerca e à “langage de bois” [“linguagem de madeira”] desse mundo condenado.

Devemos dizer que détournement é um ato de poesia ou a criação estratégica de uma ilusão? Eu diria que ele é ambos, pois, como Ballades en Jargon ou trobar clus, ele é projetado para liderar uma vida pública de subversão e sedução – ao demonstrar a possibilidade de derrubar a ordem existente – e deve, ao mesmo tempo, resistir à recuperação pelos mundos da arte e da moda. Como de Sade disse, e os situacionistas não se cansam de nos lembrar: Podem os prazeres permitidos, em uma palavra, serem comparados com aqueles prazeres que combinam tentações bem mais picantes, aqueles inestimáveis, que rompem com restrições sociais e derrubam todas as leis?124

O plágio é necessário. O progresso o implica. Ele persegue de perto a frase de um autor, usa suas expressões, apaga uma idéia falsa, a substitui pela ideia certa.

 

Lautréamont, Poetry II,1870

 

 

O plágio é necessário. O progresso o implica. Ele persegue de perto a frase de um autor, usa suas expressões, apaga uma idéia falsa, a substitui pela ideia certa.

 

 

Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo, parágrafo 207, 196713

Em seu ensaio de 1967 entitulado “Os situacionistas e as novas formas de ação contra a arte e os políticos” [“Les situationnistes et les nouvelles formes d’action contre la politique et l’art,”], René Viénet exige a renovação qualitativa das atividades da Internacional Situacionista:

Até aqui, nos apegamos principalmente à subversão utilizando formas, categorias, herdadas das lutas revolucionárias do século anterior. Eu proponho completar a expressão de nossa contestação por meios que não tenham qualquer referência ao passado. Não é, no entanto, uma questão de abandonar as formas dentro das quais travamos a batalha no terreno tradicional da superação da filosofia, da realização da arte e da abolição da política; trata-se de completar o trabalho da revista, no que ela ainda não é eficaz.14

Até este ponto, as atividades situacionistas tinham, em grande parte, tomado forma com a produção do jornal do grupo e com vários experimentos em pintura, escultura e urbanismo unitário, destacando-se a “dérive” [“deriva”]. O título do ensaio de Viénet é, na verdade, um détournement do título de um ensaio anterior de Debord: “Os situacionistas e as novas formas de ação na política e na arte,”15 de 1963, que dificilmente pode ser acusado de uma falta de rigor no entendimento das nuances da relação entre arte e política. Viénet enfatiza o aspecto negativo da dialética em relação às atividades situacionistas do passado imediato a fim de definir suas propostas como qualitativamente transformadoras. Viénet exige diversas novas formas de ação: o détournement de photo-romans [foto-romances] e propagandas no metrô, apreensão direta dos meios de comunicação em massa, a produção de quadrinhos situacionistas e, finalmente, a realização de filmes situacionistas. Apesar de sua polêmica negatividade, seu apelo à “realização de filmes situacionistas” parecia contradizer os cuidadosos avisos anti-ideológicos da teoria situacionista inicial: “Nesse sentido, não pode haver nenhuma pintura ou música situacionista, mas apenas um uso situacionista desses meios.” É de se supor que a mesma lógica seria aplicada aos “filmes situacionistas.” Essa mutação crítica da teoria e das atividades situacionistas para incluir a mídia de massa é o indício de uma nova etapa do projeto situacionista, um estágio reconhecidamente mais próximo da revolta das massas, que aconteceria em Maio seguinte. O restante de seu convite à ação merece ser citado na íntegra:

O cinema, que é o mais novo meio de expressão e sem dúvida o mais utilizado de nossa época, tem marcado ¾ de século. Em suma, dizemos que ele efetivamente tornou-se a “sétima arte” graças aos cinéfilos, aos cine-clubes, às associações de pais e professores. Afirmamos que, pela nossa prática, o ciclo chegou ao seu fim (Ince, Stroheim, o imbatível A Idade do Ouro, Cidadão Kane e Mr. Arkadin, os filmes letristas); mesmo que restem algumas obras-primas a serem descobertas em distribuidoras internacionais ou em cinematecas, mas de natureza clássica e levemente imitativa.

A serviço da mercadoria e do espetáculo é o mínimo que se pode dizer, mas livre de seus meios, o cinema publicitário lançou as bases no que Eisenstein vislumbrou quando falou em filmar A Crítica da Economia Política ou a Ideologia Alemã.

Estou confidente de que poderia filmar O Declínio e a Queda da Economia da Mercadoria-Espetáculo de um modo que seria imediatamente compreendido pelos proletários de Watts, que ignoram os conceitos envolvidos nesse título. E esta criação de uma nova forma iria, sem dúvida, contribuir para aprofundar, para melhorar, a expressão “escrita” dos mesmos problemas; que poderíamos verificar, por exemplo, filmando Incitamento ao assassinato e ao debocheantes de preparar seu equivalente em uma revista chamada Correcçãoes da consciência de uma classe que serà a última. O cinema se presta particularmente bem, entre outras possibilidades, ao estudo do presente como um problema histórico, ao desmantelamento do problema de reificação. Certamente a realidade histórica só pode ser alcançada, conhecida e filmada no curso de um processo complicado de mediações que permite que a consciência reconheça um momento no outro, seu fim e sua ação no destino, seu destino em seu fim e sua ação, sua própria essência nesta necessidade. Uma mediação, que seria difícil se a existência empírica dos fatos já não fosse uma existência mediada, que toma a forma de imediatismo na medida em que, e porque, por um lado, a consciência da mediação está faltando e, por outro, porque os fatos foram arrancados do conjunto de suas causas, colocados em um isolamento artificial e mal amarrados pela edição do cinema clássico. Essa mediação falhou precisamente, e deveria ter falhado, no cinema pré-situacionista, que parou com as chamadas formas objetivas, com a retomada, mais uma vez, de conceitos político-morais, quando não com a declamação de um tipo acadêmico com todas as suas hipocrisias. Isso é mais complicado ao ler do que ao ver quando filmado, e dá nas mesmas banalidades. Mas Godard, o mais celebrado suiço dos pró-Chineses, nunca irá entendê-los. Ele pode ter recuperado, como é seu costume, o que o antecedeu – ou seja, recuperar no que o precedeu, uma palavra, uma ideia como a dos filmes publicitários – mas ele nunca irá fazer nada além de oscilar entre pequenas novidades tiradas de outros lugares, imagens ou palavras glamurosas da época, e que certamente possuem certa ressonância, mas que ele jamais irá entender (Bonnot, trabalhador, Marx, made in U.S.A., Pierrot le Fou, Debord, poesia, etc.) Ele é efetivamente um filho de Mao e da Coca-Cola.

O cinema permite a expressão de qualquer coisa, como um artigo, um livro, um folheto ou um poster. É por isso que devemos exigir que cada situacionista seja capaz de fazer um filme, assim como de escrever um artigo (cf. Anti-public relations, n° 8, p. 59). Nada é demasiado bonito para os “pretos” de Watts.16

Essa é, provavelmente, a mais extensa e explícita teorização Situacionista do cinema que existe. Viénet não apenas ressalta o papel fundamental desempenhado pelo cinema como um meio de massa, mas também a falência da “fetichização” do filme como “arte.” Ele observa a complexa série de mediações envolvidas na produção de filmes e vê o potencial especial do filme para ajudar a desmantelar os próprios processos de reificação que ele normalmente ajuda a reforçar no cinema mainstream. Ele, portanto, solicita que todos os situacionistas sejam capazes de fazer filmes, uma demanda extraordinária na época.

Com justiça, ele denuncia Godard por tornar-se moda como um recuperador das ideias e atividades situacionistas, alimentando-se de publicidade – essa já conhecida por saquear as novidades vanguardistas. Parafraseando Manfredo Tafuri: o destino da inovação formal nas artes é para ser cooptado pela publicidade.

No cinema, a acusação contra Godard só poderia ter sido por seu plágio dos primeiros trabalhos em filme de Debord, uma vez que até esse ponto apenas Debord, entre os situacionistas, havia feito filmes. Uma acusação paralela é feita em outro lugar, quando se critica um elogio de um crítico de cinema à Le gai savoir [A Gaia Ciência] (1969), de Godard, que incorpora algumas passagens com fitas pretas em silêncio. O crítico em questão achou a duração da com fitas pretas em silêncio de Godard quase “insuportável”, porém, como apontam os situacionistas, ele dificilmente se compara ao notório filme letrista de Debord Hurlements en faveur de Sade [Uivos para Sade], de 1952. E enquanto Hurlements… era notório, foi feito antes da IS existir. Na verdade, apenas dois filmes de Debord eram historicamente “situacionistas”, isto é, de fato feitos durante a existência da IS, e ainda não foi determinado qual tipo de distribuição ou visibilidade eles receberam, uma vez que um (Critique de la séparation [Crítica da Separação]) parece nunca ter sido distribuído.

Ironicamente, é após o fim da Internacional Situacionista, em 1972, que seus maiores trabalhos no cinema tiveram início. Entre as contribuições de Debord, teríamos que incluir a adaptação de seu livro A Sociedade do Espetáculo17 (1972), sua crítica em filme às críticas daquele filme, Refutação de todos os julgamentos elogiosos ou hostis que até agora foram atribuídos ao filme A Sociedade do Espetáculo18 (1975), e seu auto-reflexivo In girum imus nocte et consumimur igni [De noite andamos em círculos e somos consumidos pelo fogo] (1978). Viénet desenvolveu seu próprio projeto, agressivamente alusivo, embora paradoxalmente mais acessível, em vários filmes détournés, incluindo: Pode a Dialética Quebrar Tijolos?19 (1972), As Meninas de Kamaré20 (1974) e Chineses, tentem de novo para serem Revolucionários21 (1976).

5

Muito estranhíssimo! Muito estranhíssimo!’ gritou Alice (a surpresa era tanta que por um momento ela se esqueceu como falar conforme a gramática); ‘estou me esticando agora como o maior telescópio jamais visto! Adeus, pés!’

Alice em Alice no País das Maravilhas

Na sequência de abertura do filme Situacionista de René Viénet Pode a Dialética Quebrar Tijolos?[La Dialectique, peut-elle casser des briques?](1973), que é anunciado como “o primeiro filme totalmente détourné da história do cinema,”22 acontece uma formal troca de diálogos. Os participantes do diálogo são Pépé, o membro mais velho de um grupo de resistência clandestino especializado em artes marciais, e Camarada Brecht, um dos membros mais jovens do grupo, de cerca de 10 anos, que chega atrasado para a prática.

 

 

Pépé: Sans temps mort. [Sem tempo morto.]

Camarade Brecht: Sans entraves. [Sem limites.]

Pépé: Sans entraves. Avec le mot de passe. [Sem limites. Com a senha.]

Camarade Brecht: Sans temps mort. [Sem tempo morto.]

Essa troca de senhas e a advertência quanto à sua importância pode ser lida como um modelo para a recepção do público deste filme. Soixante-huitards [Aqueles de 68]reconhecerão nesta troca um jogo com dois dos mais famosos slogans do movimento de ocupação de Maio de 68, muito queridos pelos situacionistas e por Viénet em particular. Les affranchis [aqueles que conhecem], como Alice Becker-Ho chama os membros das classes perigosas, saberão que essas são formas abreviadas de slogans mais longos. Em suas formas completas, esses slogans dizem: “Vivre sans temps morts” e “Jouir sans entraves.” “Viver sem tempo morto” e “Gozar sem limites”. O primeiro, se é que precisa ser repetido, é entendido como um chamado para abolir a separação espetacular entre trabalho e tempo de lazer em prol de uma vida vivida em constante criatividade. O segundo será entendido como uma visão Reichiana da identidade das lutas de libertação sexual e política. Essa explicação será óbvia para qualquer pessoa familiarizada com o período e seu ethos, e opaca para aqueles que não são. O que é menos óbvio é que essa troca lembra precisamente o que Wolman e Debord, em 1965, chamaram de “ultra-détournement”:

Para terminar, devemos citar brevemente alguns aspectos do que iremos chamar de ultra-détournement, ou seja, tendências do détournement para serem aplicadas na vida social. Gestos e palavras podem estar carregados de outros sentidos, e estiveram durante toda a história, por razões práticas. Sociedades secretas da antiga China fizeram uso refinado de signos de reconhecimento, abrangendo a maioria das atitudes mundanas (o modo de repousar as xícaras, de beber, citações de poemas parados em momentos combinados). A necessidade de uma linguagem secreta, de senhas, é inseparável de uma tendência para o jogo. A ideia limite é que qualquer signo, qualquer modo de falar, está sujeito a ser convertido em outra coisa, até mesmo em seu oposto. Os insurgentes monarquistas de Vendée, por se enfeitarem com a imagem imunda do coração de Jesus, se auto denominavam Exército Vermelho. No reino da política, por mais limitado que seja, essa expressão foi completamente détourné um século depois. 23

Não só a cultura tradicional asiática é invocada como modelo no filme de Viénet, mas a cena em questão é baseada precisamente em “citações de poemas parados em momentos combinados.” Esses slogans são a essência da definição situacionista de poesia que, em 1968, por meio das próprias mãos de Viénet, passou das publicações do jornal da Internacional Situacionista às paredes da Sorbonne, do reino da linguagem impressa à “crítica radical do gesto”24 e “poesia de gasolina.”25 Esse diálogo ilustra claramente que “a necessidade de uma linguagem secreta, de senhas, é inseparável de uma tendência para o jogo.” Essa langue secrète [língua secreta] é a mesma linguagem fechada usada na gíria, no jargão e no trobar clus para estabelecer a fronteira entre os que estão dentro do grupo de formação para a revolução e seu opressores fora dele, neste filme “os burocratas.” Qualquer um não familiarizado com a história de Maio de 68, no entanto, irá imediatamente se sentir excluído, porém consciente de uma curiosa poesia não decifrada. Este jogo de história e linguagem, com diversas camadas, é a “essência do jargão,” o espírito das “classes perigosas” e o começo de uma aventura extraordinariamente complexa em détournement.

Embora acabaria por ser inútil e difícil tentar esgotar estas poéticas labirínticas, vamos explorar algumas de suas possibilidades, uma a uma, tomando como exemplo uma tentativa para determinar quem seriam esses burocratas. Mas isso é um negócio arriscado, pois é um tipo de trobar clus: os horizontes abertos em vários níveis de significado contidos em 15 anos de teoria e prática situacionista e em uma história de resistência que se estende por vários séculos e por vários continentes.

 

Primeiro, um pouco de história: o filme usado por Pode a Dialética Quebrar Tijolos? como seu material substrato é chamado The Crush em seu título de distribuição internacional. Foi dirigido por Do Kwang Gee, como os créditos de abertura sugerem. No entanto, como a sobreposição de voz adicionada por Viénet aos créditos de abertura nos informa, “os produtores não sabem nada do que aconteceu ao seu filme.” A versão em circulação de A Dialética, de 1973, pela imaginária “Associação para o desenvolvimento da luta de classes e a propagação do materialismo dialético” “sob a direção de Gérard Cohen” é, na verdade, uma versão dublada em francês, recriando o que havia sido détourné primeiramente por Viénet através de uma legendagem criativa da versão original em chinês deste épico karatê de Hong Kong. Ou seja, na versão original do filme criado por Viénet ele não fez alterações a não ser adicionar legendas que não correspondiam ao que era dito em chinês, mas sim a exigências mais situacionistas. Eu não posso dizer se devemos realmente considerar “Gérard Cohen” como um colaborador de Viénet nesta nova versão, ou se ele representa um pseudônimo para Viénet, cujo nome não aparece em nenhum outro lugar no filme. A última possibilidade é sugerida pela estratégia que Viénet emprega em As meninas de Kamaré, feito dois anos mais tarde; nesse, ele atribui o filme somente a uma produtora imaginária (Eido e Eiga), a quem chama de “especialistas em filmes pornôs,” ou mais literalmente: “filmes de cu.”

Devemos notar que The Crush se passa na época da ocupação japonesa na Coréia, do final do século XIX ao início do século XX. A rebelião Tonhak de 1894 pode ser sido a inspiração para a resistência coreana representada aqui. Em todo caso, no decorrer do filme, em meio a essa situação, aparece um personagem carismático que é construído como chinês.26 Esse personagem é conhecido como o “dialético”. Primeiro ele tenta, em virtude de sua posição revelada como o incontestável mestre das artes marciais, mediar os dois grupos opostos: os combatentes da resistência e os burocratas responsáveis por sua opressão. O dialético percebe, rapidamente, a futilidade da mediação, e finalmente junta-se aos combatentes da resistência. Mas nada é exatamente o que parece, pois todos, ou quase todos os papéis do filme – assim fui informado – são interpretados por atores coreanos que estavam trabalhando em Hong Kong.27 Então o filme selecionado por Viénet tinha um perfil social excepcionalmente complexo, que seria visível ao seu público original, bem como a Viénet, que era um estudioso interessado na Ásia e fluente em chinês.

Muito estranhíssimo, muito estranhíssimo.

Então que “burocratas” são estes? Há evidências aqui e ali, mas as provas são contraditórias e multifacetadas. Por exemplo, logo após a sequência do título, durante a filmagem do centro de treinamento dos combatentes da resistência, uma narração define a cena: “Cedo em uma manhã fria, em um país onde a ideologia é particularmente fria.”28 Como o filme foi originalmente produzido em Hong Kong, em chinês, poderíamos associá-lo à República Popular da China, mas a Coréia do Norte é também associada quando reconhecemos – se pudermos ler os códigos históricos de vestimenta, etnia, estilos de luta e arquitetura – que o filme é ambientado na Coréia. E, em cada caso, estaríamos corretos, pelo menos parcialmente. Pois mais tarde, no filme, o chefe burocrata, “o Camarada Secretário” é chamado de “nosso timoneiro na adversidade, nosso querido líder,”29 evocando o epíteto de Mao do “grande timoneiro,”30 uma variação do epíteto de Stalin наш рулевой [nosso timoneiro]. Ou seja, se tivermos conhecimento da política de esquerda francesa da década de 1960.

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O texto diz: “O Capitão da terra dos Soviéticos, guie-nos de vitória em vitória!”

Aqui o papel de Stalin como timoneiro é representado, ao invés de explicitamente mencionado no texto.

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O texto deste pôster de 1969 evoca a mesma metáfora: “Navegar nos mares depende do timoneiro, prosseguir com a revolução depende do Pensamento de Mao Zedong.”31

O filme de Viénet, desde a primeira cena, se apresenta como um jogo de compressão, multi-referencial. E, logo antes disso, na sequência do título, são mostradas imagens do dialético e dito em uma voz em off:

Ele parece um idiota, verdade, mas não é sua culpa; é do produtor. Ele é alienado e sabe disso. Ele não tem controle sobre o uso de sua vida. Em suma, ele é um proletário. Mas isso vai mudar, e não votando a favor do Programa Comum ou aderindo ao PSU.32

Mais tarde, durante a cena da batalha, o clímax do filme, o dialético entrega dois burocratas aos cuidados do pequeno Camarada Brecht, como anuncia: “Tenho Marchais e Séguy aqui. São todos seus!”33 Então podemos dizer que o PCF [Partido Comunista Francês] e o PSU [Partido Socialista Unificado da França] também são alvos do insulto de Viénet. A crítica de Viénet se expande para incluir tudo o que Debord chama le spetaculaire concentré [o espetáculo concentrado], onde reina a ideologia como mercadoria, sob Stalinistas e fascistas igualmente. Quando o Primeiro Secretário dos burocratas avança assustadoramente sobre uma das mulheres locais, ele brinca “Le travail, c’est la liberté,” ou seja, “Arbeit macht frei,”: “O trabalho traz a liberdade,” o slogan – precisa ser repetido? – na entrada de diversos campos de concentração nazistas.

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Auschwitz

A resposta situacionista, que se tornou célebre através do grafite de Debord no Quartier Latin, entende-se por “Ne travaillez jamais,” [“Nunca trabalhe”], aparentemente uma evocação de “Jamais je ne travaillerai…” [“Eu nunca trabalharei…”] (de Une Saison en enfer de Rimbaud [Uma Temporada no Inferno]).34

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Grafite feito à mão por Debord

E para negar ao público francês uma espécie de autossatisfação presunçosa, o mesmo Primeiro Secretário, em outra cena, rindo, adverte os combatentes da resistência em um irônico estilo Vichy: “Trabalho: é o seu único papel. Trabalho, Família, Pátria. Trabalho. Família. Pátria. Basta se ater a isso!”35

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Moeda de um franco da França Vichy mostrando o lema trinitário:

Travail Famille Patrie: Trabalho, Família, Pátria.

Mais tarde, na mesma cena, o Primeiro Secretário brinca com sua comitiva enquanto tenta humilhar a resistência ao cinicamente referir-se aos massacres feitos pelos fascistas espanhóis na Catalunha, em 1937, e pelos russos soviéticos em Budapeste, em 1956, como precedentes de seus atuais esforços para suprimir a resistência proletária.

Em resumo, enquanto a trama predeterminada se dirige inevitavelmente para a frente, com intrigas românticas e nenhuma economia em cenas de luta, o diálogo e as narrações do filme são détournés para constantemente se referirem, além da diegese, a códigos situacionistas de história e teoria. Praticamente todas as palavras faladas no filme contêm uma citação détourné ou uma sutil alusão a uma vasta rede de referências, de músicas populares da Comuna de Paris a escritos de Sade, letras do Internationale e escritos dos situacionistas. Um vasto panteão de heróis é celebrado: Makhno, Lumumba, Bonnot, Hegel, Marx, Desjacques, Coeurderoy, Kuron e Modzelewski, entre outros. O filme é, de fato, “totalmente détourné”: nenhum frame do filme original de Hong Kong é movido ou removido, mas o enredo é roubado para abrir-se a outros mundos paralelos de opressão e resistência. Dito de outra forma, essa é uma estratégica e Hegeliana Aufhebung: elaé ao mesmo tempo preservada, cancelada e superada.

A resposta ao cinema situacionista depende, em certo grau, da relação com a “linguagem fechada” do original, mas existe um humor escandaloso e irreverente em Viénet, e um desafio intelectual em Debord, que atravessam a Grande Muralha dividindo aqueles que estão fora e “aqueles que conhecem” para oferecer inspiração para a resistência e a revolução. Os filmes são feitos para intrigar ao invés de iluminar, para seduzir ao invés de converter. O cinema situacionista – ou o uso situacionista do cinema – oferece um desafio dialético e abrasivo às concepções existentes do cinema e do mundo. É um dom no sentido Maussiano: um veneno oferecido gratuitamente, que traz êxtase em uma dose e mata na outra – dependendo dos hábitos e capacidades daqueles que o ingerem.

6.

Nem é preciso dizer que podemos não apenas corrigir uma obra ou integrar vários fragmentos de obras antigas em uma nova, mas também mudar o sentido desses fragmentos e montar – da maneira que quisermos – o que estes imbecis continuam chamando de citações. 36

Gil J. Wolman and Guy Debord “Détournement, Mode d’empoi” 1956

Se Viénet efetivamente fez “o primeiro filme inteiramente détourné da história do cinema,” então podemos dizer que Debord a détourné praticamente toda a história do cinema a fim de fazer seus filmes. A prática cinematográfica de Debord é mais documentada do que a de Viénet, então podemos fazer um breve resumo dela antes de olharmos mais profundamente para suas especificidades.

Debord inicia sua prática cinematográfica com Hurlements en faveur de Sade [Uivos para Sade] (1952), reduzindo o cinema a seus componentes básicos: uma fita transparente, uma “trilha sonora” de citações, faladas por vários amigos e colaboradores, intercaladas com períodos de silêncio e escuridão. No final, ele destruiu o cinema que conhecíamos até então: reduzindo-o a 24 minutos de extremo silêncio e extrema escuridão, uma escuridão tão grande que apaga as bordas do quadro e um silêncio tão grande que elimina até os cliques e pops de uma típica trilha ótica. Debord iria, mais tarde, resumir sua prática cinematográfica assim: “Eu fiz muito pouco trabalho em cinema, mas eu o tornei extremo.”

Hurlements foi feito na época da associação de Debord com os Letristas. No mesmo ano, ele deixou o grupo com outros dissidentes para formar a Internationale Léttriste [Internacional Letrista]. Em 1957, ele co-fundou a Internationale Situationniste [Internacional Situacionista]. O restante da obra de Debord em filme pode ser dividido em 3 principais períodos:

  1. Os filmes feitos enquanto Debord era um membro da IS: Sur la passage de quelques personnes à travers une assez courte unité de temps [Sobre a passagem de algumas pessoas através de um curto período de tempo] (1959) e Critique de la séparation [Crítica da Separação] (1961). Os filmes foram financiados por Asger Jorn e possivelmente por Michelle Bernstein.

2. Os filmes da década de 1970: La Société du Spectacle [A Sociedade do Espetáculo] (1973), Réfutation de tous les judgements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portés sur le film « La Société du Spectacle » [Refutação de todos os julgamentos elogiosos ou hostis que foram atribuídos até agora ao filme A Sociedade do Espetáculo] (1975) e In girum imus nocte et consumimur igni [De noite andamos em círculos e somos consumidos pelo fogo](1978). Esses filmes foram financiados por Gérard Lebovici.

  1. Seu trabalho final, feito em colaboração com Brigitte Cornand, em vídeo: Guy Debord: son art et son temps [Guy Debord: sua arte e seu tempo] (1994), financiado pelo Canal+.

Com ASociedade do Espetáculo, em 1973, um ano após o fim da Internacional Situacionista e 5 anos após Maio de 1968, tem início a segunda fase das atividades pós-letristas de Debord como cineasta. Esse é, sem dúvida, o mais importante de seus filmes. É nele que quero focar o restante de minha atenção, examinando os métodos de montagem, ou melhor, o détournement de Debord.

Nos créditos de abertura de A Sociedade do Espetáculo nos é dito isto: un film écrit et réalisé par guy debord d’après son livre “la société du spectacle” (éditions champ libre): um filme escrito e realizado por guy debord baseado em seu livro “a sociedade do espetáculo” (edições champ libre). As ambições desse projeto de trazer para a tela o seu livro, que ele modestamente considerou “um dos livros mais importantes de crítica social dos últimos 50 anos,” nos remete a outra famosa adaptação para o cinema, planejada mas jamais realizada por Sergei Eisenstein: uma versão cinematográfica de O Capital.

Na edição número 12 do jornal da Internacional Situacionista (setembro de 1969), editada por Debord, encontramos a seguinte observação:

On sait qu’Eisenstein souhaitait de tourner Le Capital. On peut d’ailleurs se demander, vu les conceptions formelles et la soumission politique de ce cinéaste, si son film eût été fidèle au texte de Marx. Mais, pour notre part, nous ne doutons pas de faire mieux. Par exemple, dès que possible, Guy Debord réalisera lui-même une adaptation cinématographique de La Société du spectacle, qui ne sera certainement pas en-deça de son livre.37

Dada a importância positiva, Viénet, em outro lugar, concorda com o projeto de Eisenstein para filmar The Critique of Political Economy or The German Ideology [A Crítica da Economia Política ou A Ideologia Alemã]; essa é uma importante, ainda que tardia, expressão de cautela. O cinema de Eisenstein é o cinema da montagem – e por isso entendemos não apenas edição no sentido de unir as tiras de filme, mas em um tipo específico de método dialético cuja essência é o choque das sequências. Um tipo de agressão cinemática em relação ao material e ao espectador, uma espécie de terapia de choque Pavloviana feita para extrair os elementos da luta de classes do material e os justapor de tal forma a induzir o espectador a uma maior consciência de classes. É, em suma, um cinema de propaganda, a serviço do Comitê Central do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Não importa que Eisenstein, tanto quanto Vertov, foi enfim acusado pelo grave crime de “formalismo,” à medida que o chamado “Realismo Socialista” ascendia. As confissões públicas de Eisenstein de seus erros formalistas em Bezhin Meadow por fim o afastou, senão todas as suas ambições para o cinema, do panteão situacionista. Eles questionam as chances de sucesso de Eisenstein dado seu formalismo e “servilidade política.” Tudo o que ele pode fazer, nós – ou pelo menos Guy ou René – podemos fazer melhor. Na verdade, Guy pode fazer ainda melhor no cinema do que fez em seu livro. Exageros à parte, a adaptação de Eisenstein de O Capital de Marx, planejada mas jamais realizada, é provavelmente o único precedente histórico de impulso e ambição intelectual ambos para o livro ser adaptado e para a adaptação ao cinema. Pode-se argumentar que, mesmo se Eisenstein tivesse sido capaz de realizar esta ambição, a realização de Debord no cinema intelectual permaneceria sem precedentes, uma vez que Debord foi tanto o autor do livro adaptado quanto o autor da adaptação cinematográfica.

A obra cinematográfica de Debord, ainda que tenha claramente desenvolvido sofisticação e complexidade, permaneceu enraizada em algumas de suas primeiras ideias sobre filme e détournement. Em “Mode d’emploi du détournement” [Um Guia prático para o détournement] (1956), escrito por Debord com colaboração de Gil J. Wolman no período imediatamente anterior à fundação da Internacional Situacionista, os dois principais tipos de objetos do détournement são definidos:

Podemos primeiro definir duas categorias pricipais para todos os elementos détournés, e sem distinguir se sua aplicação é acompanhada ou não de correções introduzidas nos originais. Estes são détournements menores e détournements abusivos.

 

O détournement menor é o détournement de um elemento que não tem importância própria e que, portanto, ganha todo seu significado a partir da confrontação imposta a ele. São assim os recortes de imprensa, uma frase neutra, a fotografia de qualquer tema.

 

O détournement abusivo, também chamado de détournement de uma proposição premonitória, é, ao contrário, aquele em que um elemento significativo em si torna-se o objeto; o elemento que ganhará um sentido diferente a partir da nova relação. Por exemplo, um slogan de Saint-Just, a sequência de Eisenstein.38

Há inúmeros exemplos de “détournements menores” na obra da era situacionista de Debord: a re-fotografia da mulher loira de biquini em Crítica da Separação, por exemplo. A imagem é inicialmente neutra, até banal, mas é recontextualizada como um exemplo típico de imagem da imprensa servindo para instigar a salivação Pavloviana. Mas é o “détournement abusivo, ou o détournement de uma proposição premonitória” que leva a arte de Debord ao seu maior poder e complexidade. E é precisamente uma sequência do aclamado “Sequência das Escadas de Odessa,” de Eisenstein, que Debord irá détourner, dezessete anos mais tarde, em A Sociedade do Espetáculo. Debord irá transformar a crítica de Eisenstein à brutalidade da autocracia e seus agentes na observação de que burocracias de Estado não são mais do que uma edição suplementar da classe dominante, mantendo relações hierárquicas de poder, sobre outras denominações.

Odessa Steps Debord shorterCropped

A estratégia utilizada por Debord para realizar este “détournement abusivo” tem diversos aspectos, mas a principal tática é a constante recontextualização de material pré-existente. Antes de Debord introduzir o avanço mecânico dos Cossacos de Eisenstein descendo as Escadas de Odessa, com sua marcha militar, ele o contextualiza como uma continuação de uma longa sequência mostrando o Desfile Soviético de Primeiro de Maio. A sequência é repleta de tanques, mísseis e os chamados soldados do Exército Vermelho marchando pela Praça Vermelha com a mesma marcha angular e o mesmo avanço mecânico que Eisenstein imprime nos Cossacos. Mas o corte para a sequência das Escadas de Odessa não aparece imediatamente depois do Desfile de Primeiro de Maio; Debord introduz um atraso, para que a sequência de Eisenstein subitamente ecoe, ao invés de colidir, com o Desfile de Primeiro de Maio, quando ela aparece. Não há nenhuma colisão gráfica nítida de cenas individuais – como Eisenstein utiliza nessa mesma sequência – mas uma longa e sutil continuidade de elementos – remetendo ao sutil movimento de avanço e ecos formais criados por Esfir Shub em sua Queda da Dinastia Romanov. Entre o momento em que o Desfile de Primeiro de Maio termina e a sequência das Escadas de Odessa tem início, diversos elementos intervêm.

Primeiro, logo após o Desfile de Primeiro de Maio na Praça Vermelha, Debord corta para um still de Trotsky – uma figura destinada ao Inferno situacionista, como o odiado supressor da Rebelião Kronstadt e Makhno na Ucrânia, “o avô da burocracia” como ele é chamado em Pode a Dialética Quebrar Tijolos? de Viénet. Em cima desse still, a narração de Debord continua.

Então aparece um letreiro alertando que o capitalismo do Estado burocrático não estará seguro enquanto os conselhos de trabalhadores continuarem a existir – o modo preferido de auto-administração imaginado pelos situacionistas para seu futuro pós-revolucionário. Debord inverte o sentido do texto, apelando para os conselhos de trabalhadores como o único meio de superar o Estado Capitalista de estilo Soviético. Essa é a única pausa da narração de Debord em toda a sequência, que vai desde o Desfile de Primeiro de Maio até as Escadas de Odessa e além. Enquanto o letreito permanece na tela ouvimos apenas silêncio, ou seja, os cliques e pops da trilha sonora ótica, dando-nos uma trégua da incessante crítica de Debord, longa o bastante para lermos este texto complexo, e não simplesmente como algo à parte, mas como uma ideia relacionada que internalizamos à medida em que soa em nossas próprias vozes, em nossas próprias mentes. Após esse letreiro, voltamos a várias cenas do aparentemente interminável Desfile de Primeiro de Maio, e a narração de Debord analisa a burocracia em suas funções de classe. Quando ele finalmente corta para os Cossacos marchando ao descer as escadas em um plano médio, é a partir de uma grande angular suspensa que vemos de cima o túmulo de Lenin, o desfile e as massas reunidas na Praça Vermelha. O movimento diagonal do desfile do canto superior esquerdo ao inferior direito da tela ecoa no vetor de movimento dos Cossacos descendentes do superior esquerdo ao inferior direito. É um jogo gráfico, porém extremamente discreto. Parece mais um jogo de ação do que um paralelismo demonstrativo.

Essa longa sequência corre em paralelo à contínua, persistente e incansável narração de Debord, dissecando o problema cuidadosamente, pensativamente, com seriedade. Há apenas momentos intermitentes de ironia em todo o filme, mas nenhum aqui – nada do humor abrangente e obsceno de Viénet. O tom de Debord permanece sério e intransigente. No final do trecho da sequência das “Escadas de Odessa”, Debord continua simples e inevitavelmente para um Congresso do Partido Comunista Francês, sua narração amarra as sequências perfeitamente. Após várias cenas, ele retorna a Brezhnev e seus colegas membros do Politburo de pé examinando o túmulo de Lenin no Desfile de Primeiro de Maio. Em seguida começa uma sequência terrivelmente longa de um filme de ficção mostrando um discurso de Stalin, do qual somos poupados devido à narração de Debord.

Não há cortes rápidos, criando identificações metafóricas em um momento instantâneo de insight. O tom é meditativo. Ao passar de um tipo de material para outro, esta nova sequência é sempre representada por diversas cenas ou por uma longa cena individual. Não existem conexões forçadas ou presas a um mundo particular. Nós experimentamos esses mundos em sua vitalidade, ou na falta dela, mas somos capazes de passar rapidamente para uma visão mais distanciada: a extensa visão da história.

Debord está determinado a tecer estes vários fios em uma forte, coerente e complexa narrativa dialética e histórica. Ele não habita a era utópica, imediatamente após a vitoriosa revolução; ele se recusa a recorrer à fragmentação estática de momentos atemporais favorecida por Eisenstein nos momentos de maior intensidade em seus filmes. Em 1924 e 25, quando Eisenstein trabalhava em O Encouraçado Potemkin ou, em 1927 e 28, quando trabalhava em Outubro, Eisenstein ainda não havia experimentado os fracassos da Revolução Russa por completo. Debord, quase 50 anos mais tarde, como um revolucionário e intelectual, deve levar em conta os fracassos da Revolução Russa e seguir adiante. Debord deve também pesar na mesma balança os sucessos e fracassos de Maio de 68, no qual havia desempenhado um papel fundamental cerca de 5 anos antes. Debord demonstra na sutil complexidade da estruturação de seu filme que ele acredita em História Universal, mas em uma de complexidade extraordinariamente dialética.

7.

Sed, o patres, ne me phenicem extimetis in orbe terrarum; omnes enim que garrio murmurant aut mussant aut cogitant aut somniant, et que inventa non attestantur. (Dante, Epist. VIII, 8)

[Mas, meus Pais, não suponham que eu seja uma fênix no mundo inteiro. Pois todos estão murmurando, ou resmungando, ou pensando, ou sonhando, o que eu grito em voz alta; mas eles não testemunham aquilo que viram.]

Há um contraste explícito entre o método de détournement de Debord e de Viénet. Viénet opta por gêneros cinematográficos populares: o filme de artes marciais, o filme da menina do reformatório. Ele os aceita mais ou menos na sua totalidade como filmes de gênero a serem usados como substrato, sobre o qual se pode construir uma recepção alternativa e multifacetada, em grande parte por alusões verbais. Ele posiciona seu trabalho no domínio da cultura popular, a fim de subvertê-la. Debord, por outro lado, problematiza o processo de subversão cultural e política tanto no nível da construção sequência-a-sequência quanto no jogo analítico verbal sobre o conteúdo do filme. Os créditos de cada um dos filmes da era situacionista identificam Debord como “réalisateur,” um crédito bastante comum, mas diferente de “mise-en-scéne,” ou encenação, um termo tomado do teatro usado apenas por cineastas de ficção. Nos filmes dos anos 1970, iremos apenas ouvir a voz de Debord ao lado das que figuram nos filmes falados que ele détourne. Seus camradas, cujas voces são ouvidas nos filmes da era situacionista, irão, a partir de então, permanecer em silêncio. Debord, por toda sua radicalidade, não pode abandonar completamente a autoria.

Viénet, por outro lado, em seus primeiros dois filmes problematiza diretamente a própria autoria, operando sob múltiplos pseudônimos ou pelo uso de uma produtora fictícia. Entre os filmes que vi, apenas em Chinois encore un effort, que se baseia em grande parte em noticiários ou filmes de domínio público, ele recebe crédito na tela. Nesse caso, ele de fato aparece na sequência dos créditos, de pé numa varanda usando um tipo de jaqueta preferida pelo Politburo Chinês, acenando um livro, imitando Mao com seu livro vermelho, ao lado de Ji Qing Ming e Al Perreault, seus colaboradores. Os rostos dos colaboradores estão mascarados ou apagados, em uma paródia da reescrita da história fotográfica constantemente praticada na assim chamada República “Popular” da China. Ironicamente, esse filme usa um método de edição—o seja detournement—mais Debordiano que os outros filmes de Viénet: consiste de fragmentos de vários filmes e um você off quase constante. O apagamento dos rostos dos seus colaboradores poderia fazer também alusão ao destino do Interntionale Situationniste, tão intimamente e quase exclusivamente ligada na imaginação popular, ao nome de Debord. Neste filme, Viénet também usa a mesma produtora fictícia que coloca nos créditos de The Girls of Kamaré[As Meninas de Kamaré]. Os estudos de Viénet sobre anonimato, ou anti-autoria, podem tanto ser um posicionamento sobre autoria quanto uma estratégia legal para evitar processos por violação de direitos autorais.

Ambos Debord e Viénet destacam-se no “détournement abusivo”, exceto que Viénet não détourne (desvia) meramente uma sequência ou até várias de um filme na maioria, mas frequentemente détourne filmes em sua totalidade, subvertendo-os linha por linha. Ele faz um uso moderado de comentários narrados e, quando o faz, usa os registros da mídia popular contra si mesma, lutando contra a falsa coerência do espetáculo, enfraquecendo-o com uma polivalência sexual e política. Ele é um colorista Reichiano, alimentado por de Sade, perseguindo uma subjetividade crítica e radical, ambas como meio e como fim. Debord trabalha sequência por sequência em preto e branco, explorando a alienação pessoal dos homens entre si e dos produtos de seu trabalho – a separação institucional de indivíduos através da falsa coerência da circulação de fragmentos intercambiáveis no espetáculo. Criticamente re-organizando as sequências individuais que ele extrai, ele constrói uma coerência estratégica e dialética que transforma o efeito do afastamento de seu contexto original em um insight produtivo. Essas sequências visuais e audiovisuais fluem em paralelo às ideias dadas pela linguagem através das narrações que ele entoa, cruzando indiretamente, estrategicamente e imprevisivelmente umas às outras.

A serviço desta coerência dialética, Debord retira dessas sequências qualquer cor que elas podem ter possuído originalmente, ao mesmo tempo aumentando a comparatividade entre elas através da abstração e transmitindo a elas o escuro e pessimista cinza sobre cinza de Hegel. A coruja de Minerva levanta vôo somente ao entardecer. Viénet compreendeu-o muito bem, mas não obstante nos mostra um mundo em filme, onde as cores misturam livremente e contrasta com o preto e branco; é a discórdia na dialéctica que ele tenta de manter, mesmo à custa da coerência.

Bem, isso é glória para você.

1

détournement

S’emploie par abréviation de la formule : détournement d’éléments esthétiques préfabriqués. Intégration de productions actuelles ou passées des arts dans une construction supérieure du milieu. Dans ce sens il ne peut y avoir de peinture ou de musique situationniste, mais un usage situationniste de ces moyens. Dans un sens plus primitif, le détournement à l’intérieur des sphères culturelles anciennes est une méthode de propagande, qui témoigne de l’usure et de la perte d’importance de ces sphères.

 

2

situationniste

Ce qui se rapporte à la théorie ou à l’activité pratique d’une construction des situations. Celui qui s’emploie à construire des situations. Membre de l’Internationale situationniste.

situationnisme

Vocable privé de sens, abusivement forgé par dérivation du terme précédent. Il n’y a pas de situationnisme, ce qui signifierait une doctrine d’interprétation des faits existants. La notion de situationnisme est évidemment conçue par les anti-situationnistes.

 

3

Notre dictionnaire sera une sorte de grille avec laquelle on pourra décrypter les informations, et déchirer le voile idéologique qui recouvre la réalité. Nous donnerons les traductions possibles qui permettent d’appréhender les différents aspects de la société du spectacle, et montrer comment les moindres indices (les moindres signes) contribuent à la maintenir. C’est en quelque sorte un dictionnaire bilingue, car chaque mot possède un sens « idéologique » du pouvoir, et un sens réel ; que nous estimons correspondre à la vie réelle dans la phase historique actuelle. Aussi nous pourrons à chaque pas déterminer les diverses positions des mots dans la guerre sociale. Si le problème de l’idéologie est de savoir comment descendre du ciel des idées dans le monde réel, notre dictionnaire sera une contribution à l’élaboration de la nouvelle théorie révolutionnaire, où le problème est de savoir comment passer du langage dans la vie. L’appropriation réelle des mots qui travaillent ne peut se réaliser en dehors de l’appropriation du travail lui-même. L’établissement de l’activité créatrice libérée sera en même temps l’établissement de la véritable communication, enfin libérée, et la transparence des rapports humains remplacera la pauvreté des mots sous l’ancien régime de l’opacité. Les mots ne cesseront pas de travailler tant que les hommes n’auront pas cessé de le faire.

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Nous devons interdire dès à présent la falsification de nos théories, leur récupération possible. Nous utilisons des concepts déterminés, déjà utilisés par les spécialistes, mais en leur donnant un nouveau contenu, en les retournant contre les spécialisations qu’ils soutiennent, et contre les futurs penseurs à gages qui (comme l’ont fait Claudel pour Rimbaud et Klossowski pour Sade) seraient tentés de projeter leur propre pourriture sur la théorie situationniste. Les futures révolutions doivent inventer elles-mêmes leur propre langage.

5

Le problème du langage est au centre de toutes les luttes pour l’abolition ou le maintien de l’aliénation présente; inséparable de l’ensemble du terrain de ces luttes. Nous vivons dans le langage comme dans l’air vicié. Contrairement à ce qu’estiment les gens d’esprit, les mots ne jouent pas. Ils ne font pas l’amour, comme le croyait Breton, sauf en rêve. Les mots travaillent, pour le compte de l’organisation dominante de la vie. Et cependant, ils ne sont pas robotisés ; pour le malheur des théoriciens de l’information, les mots ne sont pas eux-mêmes « informationnistes » ; des forces se manifestent en eux, qui peuvent déjouer les calculs. Les mots coexistent avec le pouvoir dans un rapport analogue à celui que les prolétaires (au sens classique aussi bien qu’au sens moderne de ce terme) peuvent entretenir avec le pouvoir. Employés presque tout le temps, utilisés à plein temps, à plein sens et à plein non-sens, ils restent par quelque côté radicalement étrangers.

 

Le pouvoir donne seulement la fausse carte d’identité des mots ; il leur impose un laisser-passer, détermine leur place dans la production (où certains font visiblement des heures supplémentaires) ; leur délivre en quelque sorte leur bulletin de paye. Reconnaissons le sérieux du Humpty-Dumpty de Lewis Carroll qui estime que toute la question, pour décider de l’emploi des mots, c’est « de savoir qui sera le maître, un point c’est tout ». Et lui, patron social en la matière, affirme qu’il paie double ceux qu’il emploie beaucoup. Comprenons aussi le phénomène d’insoumission des mots, leur fuite, leur résistance ouverte, qui se manifeste dans toute l’écriture moderne (depuis Baudelaire jusqu’aux dadaïstes et à Joyce), comme le symptôme de la crise révolutionnaire d’ensemble dans la société.

Sous le contrôle du pouvoir, le langage désigne toujours autre chose que le vécu authentique. C’est précisément là que réside la possibilité d’une contestation complète. La confusion est devenue telle, dans l’organisation du langage, que la communication imposée par le pouvoir se dévoile comme une imposture et une duperie.

 

6

Il faut développer ici un petit précis de vocabulaire détourné. Je propose que, parfois, au lieue de lire «quartier» on lise: gangland. Au lieu d’organisation sociale: protection. Au lieu de société: racket. Au lieu de culture: conditionnement. Au lieu de loisirs: crime protégé. Au lieu d’éducation: préméditation.

7

“L’art intégral, dont on a tant parlé, ne pouvait se réaliser qu’au niveau de l’urbanisme.”

8

Tous les langages fermés—ceux des groupements informels de la jeunesse ; ceux que les avant-gardes actuelles, au moment où elles se cherchent et se définissent, élaborent pour leur usage interne ; ceux qui, autrefois, transmis en production poétique objective pour l’extérieur, ont pu s’appeler « trobar clus » ou « dolce stil nuovo »,—tous ont pour but, et résultat effectif, la transparence immédiate d’une certaine communication, de la reconnaissance réciproque, de l’accord. Mais pareilles tentatives sont le fait de bandes restreintes, à divers titres isolées. Les événements qu’elles ont pu aménager, les fêtes qu’elles ont pu se donner à elles-mêmes, ont dû rester dans les plus étroites limites. Un des problèmes révolutionnaires consiste à fédérer ces sortes de soviets, de conseils de la communication, afin d’inaugurer partout une communication directe, qui n’ait plus à recourir au réseau de la communication de l’adversaire (c’est-à-dire au langage du pouvoir), et puisse ainsi transformer le monde selon son désir.

9

On n’a pas besoin d’être sociologue pour admettre le but cryptologique de l’gíria comme moyen de défense collective du group; ni poète pour ressentir l’aspect créatif et ludique de ce langage. Mais en tant que tel, il a ses règles propres: il lui faut avoir encore plus de fixité que le langage parlé ordinaire. Il s’agit tout de se fair comprendre, et dans des conditions particulières, souvent difficiles.

10

L’gíria est un langage parlé secret écrit sur de l’eau. Quand on veut trouver dans le langage secret une origine poétique, c’est faute d’en connaître les principes et les cléfs. Inversement, dans le domaine de la poésie et des images, on voudrait ramener tout à une structure, à des clefs, faute d’éprouver en matière de langage le pouvoir original de la création. En gíria, la part incontestablement poétique est à placer en aval et non en amont de sa formation comme la poésie qui ne se conçoit qu’à partir du langage. Il n’y a pas de poésie dans les borborygmes d’un nouveau-né. La poésie passe par la culture, l’gíria par le «trompe l’oeil» comme les messages codés de Radio-Londres, qui jouèrent sur une certaine technique de ressemblance avec la poésie post-dadaïste.

 

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…L’essence du jargon n’est rien d’autre que l’espirit même de ces classes dangereuses.

L’esprit des classes dangereuses, c’est savoir distinguer à tout moment qui est de ce côté de la frontière, ou de l’autre, et comment il faut se comporter dans chaque cas. C’est dans ce but qu’a été créé un jargon don’t tous les termes reflètent l’esprit de l’gíria, ce monde des hors-la-loi, et de la permanent guerre qu’il entretien avec le monde, «normal» de la soumission. «C’est le langage de la contradiction, qui doit être dialectique dans sa forme comme il l’est dans son contenu.» [Debord, La Société du spectacle]

L’gíria, c’est ce que possèdent réellement les classes dangereuse. Mais contrairement au langage normal, il doit avoir, outre la fonction de communication, celle de la protection. Langage du conflit, il lui faut être stratégique. Il doit, en quelque sorte, parler deux langues à la fois: chachipé con jujána (vérité avec mensonge). Informer l’ami, le complice, en parlant vrai (tchatcho); ne pas éveiller l’attention de l’ennemi, en le trompant: «Nous marchons sur la terre de vray, mais nous marchons avec beaucoup d’intelligences (…) c’est que nous marchons à plusieurs intentions.»

 

 

 

12

“Les jouissances permises, en un mot, peuvent-elles donc se comparer aux jouissances qui réunissent à des attraits bien plus piquants ceux, inappréciables, de la rupture des freins sociaux et du renversement de toutes les lois?”

13

Le plagiat est nécessaire. Le progrès l’implique. Il serre de près la phrase d’un auteur, se sert de ses expressions, efface une idée fausse, la remplace par l’idée juste.

Lautréamont, Poésies II,1870

Le plagiat est nécessaire. Le progrès l’implique. Il serre de près la phrase d’un auteur, se sert de ses expressions, efface une idée fausse, la remplace par l’idée juste.

Guy Debord, La Société du Spéctacle, 1967

14

Jusqu’ici, nous nous sommes principalement attachés à la subversion en utilisant des formes, des catégories, héritées des luttes révolutionnaires, du siècle dernier principalement. Je propose que nous complétions l’expression de notre contestation par des moyens qui se passent de toute référence au passé. Il ne s’agit pas pour autant d’abandonner des formes à l’intérieur desquelles nous avons livré le combat sur le terrain traditionnel du dépassement de la philosophie, de la réalisation de l’art, et de l’abolition de la politique ; il s’agit de parachever le travail de la revue, là où elle n’est pas encore opérante.

15

“Les situationnistes et les nouvelles formes d’action dans la politique ou l’art”

16

Le cinéma, qui est le moyen d’expression le plus neuf et sans doute le plus utilisable de notre époque, a piétiné près de 3⁄4 de siècle. Pour résumer, disons qu’il était effectivement devenu le « 7e art » cher aux cinéphiles, aux ciné-clubs, aux associations de parents d’élèves. Constatons pour notre usage que le cycle s’est terminé (Ince, Stroheim, le seul Âge d’or, Citizen Kane et M. Arkadin, les films lettristes) ; même s’il reste à découvrir chez les distributeurs étrangers ou dans les cinémathèques certains chefs-d’œuvre, mais d’une facture classique et récitative. Approprions-nous les balbutiements de cette nouvelle écriture ; approprions-nous surtout ses exemples les plus achevés, les plus modernes, ceux qui ont échappé à l’idéologie artistique plus encore que les séries B américains : les actualités, les bandes-annonces, et surtout le cinéma publicitaire.

 

Au service de la marchandise et du spectacle, c’est le moins qu’on puisse dire, mais libre de ses moyens, le cinéma publicitaire a jeté les bases de ce qu’entrevoyait Eisenstein lorsqu’il parlait de filmer La Critique de l’Économie politique ou l’Idéologie allemande.

 

Je me fais fort de tourner Le déclin et la chute de l’économie spectaculaire-marchande d’une façon immédiatement perceptible aux prolétaires de Watts qui ignorent les concepts impliqués dans ce titre. Et cette mise en forme nouvelle contribuera sans aucun doute à approfondir, à exacerber, l’expression « écrite » des mêmes problèmes ; ce que nous pourrons vérifier, par exemple, en tournant le film Incitation au meurtre et à la débauche avant de rédiger son équivalent dans la revue, Correctifs à la conscience d’une classe qui sera la dernière. Le cinéma se prête particulièrement bien, entre autres possibilités, à l’étude du présent comme problème historique, au démantèlement des processus de réification. Certes la réalitéhistorique ne peut être atteinte, connue et filmée, qu’au cours d’un processus compliqué de médiations qui permette à la conscience de reconnaître un moment dans l’autre, son but et son action dans le destin, son destin dans son but et son action, sa propre essence dans cette nécessité. Médiation qui serait difficile si l’existence empirique des faits eux-mêmes n’était déjà une existence médiatisée qui ne prend une apparence d’immédiateté que dans la mesure où, et parce que, d’une part la conscience de la médiation fait défaut, et que d’autre part, les faits ont été arrachés du faisceau de leurs déterminations, placés dans un isolement artificiel et mal reliés au montage dans le cinéma classique. Cette médiation a précisément manqué, et devait nécessairement manquer, au cinéma pré-situationniste, qui s’est arrêté aux formes dites objectives, à la reprise des concepts politico-moraux, quand ce n’est pas au récitatif de type scolaire avec toutes ses hypocrisies. Cela est plus compliqué à lire qu’à voir filmé, et voilà bien des banalités. Mais Godard, le plus célèbre des Suisses pro-chinois, ne pourra jamais les comprendre. Il pourra bien récupérer, comme à son habitude, ce qui précède—c’est-à-dire dans ce qui précède récupérer un mot, une idée comme celle des films publicitaires—il ne pourra jamais faire autre chose qu’agiter des petites nouveautés prises ailleurs, des images ou des mots-vedettes de l’époque, et qui ont à coup sûr une résonnance, mais qu’il ne peut saisir (Bonnot, ouvrier, Marx, made in U.S.A., Pierrot le Fou, Debord, poésie, etc.). Il est effectivement un enfant de Mao et du coca-cola.

 

Le cinéma permet de tout exprimer, comme un article, un livre, un tract ou une affiche. C’est pourquoi il nous faut désormais exiger que chaque situationniste soit en mesure de tourner un film, aussi bien que d’écrire un article (cf. Anti-public relations, n° 8, p. 59). Rien n’est trop beau pour les nègres de Watts.

17

La société du spectacle

18

Réfutation de tous les jugement tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portés sur le film «La société du spectacle»

19

La Dialectique peut-elle casser des briques?

20

Les filles de Kamaré

21

Chinois, encore un effort pour être révolutionnaires

22

le premier film entièrement détourné de l’histoire du cinéma

23

Pour finir, il nous faut citer brièvement quelques aspects de ce que nous nommerons l’ultra-détournement, c’est-à-dire les tendances du détournement à s’appliquer dans la vie sociale quotidienne. Les gestes et les mots peuvent être chargés d’autres sens, et l’ont été constamment à travers l’histoire, pour des raisons pratiques. Les sociétés secrètes de l’ancienne Chine disposaient d’un grand raffinement de signes de reconnaissance, englobant la plupart des attitudes mondaines (manière de disposer des tasses ; de boire ; citations de poèmes arrêtées à des moments convenus). Le besoin d’une langue secrète, de mots de passe, est inséparable d’une tendance au jeu. L’idée-limite est que n’importe quel signe, n’importe quel vocable, est susceptible d’être converti en autre chose, voire en son contraire. Les insurgés royalistes de la Vendée, parce qu’affublés de l’immonde effigie du coeur de Jésus, s’appelaient l’Armée Rouge. Dans le domaine pourtant limité de la politique, cette expression a été complètement détournée en un siècle.

24

“critique radicale du geste,”

25

“poésie du pétrole”

26

Assim fui informado por um aluno coreano de pós-graduação da CUNY Staten Island por volta de 1989.

27

Pelo mesmo estudante de filmes coreanos.

28

Par un petit matin frisquet, dans un pays où l’idéologie est particulièrement froide

29

notre timonier de sécours, notre bien-aimé dirigeant,

30

grand timonier

31

Estou grato para a tradução deste texto à Amy Dooling, professor universitario do chinês à Connecticut College.

32

Il a l’air con, c’est vrai, mais c’est pas de sa faute; c’est celle du producteurs. Il est aliéné; il le sait. Il n’a aucun contrôle sur l’emploi de sa vie. Bref, c’est un prolétaire. Mais ça va changer et pas en votant pour le programmme commun ou adhérant au PSU.

33

“Je tiens Marchais et Séguy. À toi!”

34

Aquí o narrador informa a fala de um demônio em inferno: “Je l’écoute faisant de l’infamie une gloire, de la cruauté un charme. “Je suis de race lointaine: mes pères étaient Scandinaves: il se perçaient les côtes, buvaient leur sang. – Je me ferai des entailles partout le corps, je me tatouerai, je veux devenir hideux comme un Mongol: tu verras, je hurlerai dans les rues. Je veux devenir bien fou de rage. Ne me montre jamais de bijoux, je ramperais et me tordrais sur le tapis. Ma richesse, je la voudrais tachée de sang partout. Jamais je ne travaillerai… ” Plusieurs nuits, son démon me saisissant, nous nous roulions, je luttais avec lui! – Les nuits, souvent, ivre, il se poste dans des rues ou dans des maisons, pour m’épouvanter mortellement. – “On me coupera vraiment le cou; ce sera dégoûtant.” Oh! ces jours où il veut marcher avec l’air du crime!

35

“Le travail, voilà votre seul rôle. Travail, Famille, Patrie. Travail, Famille, Patrie. Ne sortez pas de là.”

36

Il va de soi que l’on peut non seulement corriger une oeuvre ou intéger divers fragments d’oeuvres périmées dans une nouvelle, mais encore changer le sens de ces fragments et truquer de toutes les manières que l’on jugera bonnes ce que les imbéciles s’obstinent à nommer des citations.

37

Sabemos que Eisenstein queria filmar O Capital. Podemos nos perguntar também, dadas as concepções formais e a submissão política do cineasta, se esse filme seria fiel ao texto de Marx. No entanto, de nossa parte, não temos dúvida de que podemos fazer melhor. Por exemplo, assim que possível, Guy Debord irá ele próprio realizar uma adaptação cinematográfica de A Sociedade do Espetáculo, que certamente não decepcionará seu livro.

 

38

On peut d’abord définir deux catégories principales pour tous les éléments détournés, et sans discerner si leur mise en présence s’accompagne ou non de corrections introduites dans les originaux. Ce sont les détournements mineurs, et les détournements abusifs.

Le détournement mineur est le détournement d’un élément qui n’a pas d’importance propre et qui tire donc tout son sens de la mise en présence qu’on lui fait subir. Ainsi des coupures de presse, une phrase neutre, la photographie d’un sujet quelconque.

Le détournement abusif, dit aussi détournement de proposition prémonitoire, est au contraire celui dont un élément significatif en soi fait l’objet; élément qui tirera du nouveau rapprochement une portée différente. Un slogan de Saint-Just, une séquence d’Eisenstein par exemple.

 

Author: Edson Yann

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