Nikita Kino (Legendas)

Nikita Kino um filme de Vivian Ostrovsky  – Tradução para Legendas:  .txt– texto de cinema

 

1960

Nikita Khruschev está no poder.

A mãe do Stalin é movida do mausoléu para o lado de fora do Kremlin.

A União Soviética abre as suas portas para uns poucos turistas ocidentais.

1960

Meu pai descobre que seu irmão Julek e sua irmã Zoya

estão vivos e vivem em Moscou.

Eles não se vêem há quase 40 anos.

Grisha, meu pai, voa para Moscou com a minha irmã.

Três meses depois desse primeiro encontro, falece Julek.

Nós, meu pai, minha irmã e eu,

voltamos a Rússia quase todos os anos para encontrar o resto da família

já que eles não tinham permissão de viajar para o exterior.

A União Soviética da Guerra Fria, para nós

que vínhamos do alucinado carnaval do Brasil, nos chocou.

Nos encontrávamos com a família em parques, florestas e lugares públicos.

Assim podíamos conversar mais livremente do que em seus apartamentos coletivos.

Eles queriam desesperadamente saber o que estava acontecendo no resto do mundo.

Para serem pessoas vivendo num país tão isolado

eles estavam surpreendentemente bem informados.

Custou toda a cordialidade dos nossos parentes russos

para que fosse dissipada a claustrofobia e a paranóia que sentíamos na chegada.

Quando saímos sós um homem vestido de capa de chuva nos seguia pela rua Gorky.

A Rússia iria mostrar ao resto do mundo o que ela poderia fazer.

O Sputinik irrompia no espaço

enquanto as “cegonhas estavam voando”

num ataque de paixão soviético no festival de Cinema de Cannes.

Trouxemos mais bagagens do que podíamos carregar.

Trouxemos coisas que eram difíceis para eles conseguirem

como remédios, roupas e botas de inverno.

A ausência de publicidade era um alívio para nós.

Mas a propaganda política se ocultava em toda parte,

pôsters vermelhos nas ruas

e o levante comum: “Vitória para o trabalhador soviético!”

Muitos longa-metragens mostravam uma versão idealizada,

ou ainda ocidentalizada, do cidadão soviético e do seu entorno.

O exterior nunca era como o interior.

O que você via numa vitrine de uma loja nunca estava disponível do lado de dentro.

Haviam três filas para qualquer coisa que você comprasse:

uma para ver a distância o produto e escolher,

uma para comprar

e outra para pagar.

Os sombrios prédios cinzas de Khruschev cresciam rapidamente.

Eles eram baratos, ordinários e mal-construídos.

As varandas nem sempre tinham portas de acesso.

Você tinha que escalar pela janela para entrar ou sair.

Haviam elevadores novos mas com carência de números.

Em vez de 1-2-3-4 você encontrava 2-2-2-4.

Você tinha que contar para saber a que andar estava indo.

A tia Zoya vivia na rua Meschanskaya,

no antigo apartamento do meu avô

que tinha sido convertido num komunalka, ou apartamento coletivo.

Cinco famílias, uma em cada quarto,

uma cozinha, um banheiro, um toalete

e discussões o dia inteiro.

Tinham algumas palavras especiais em relação as compras.

O que não estava a venda você tinha que dastat.

O que significava comprar suas frutas,carne e todos os itens básicos

usando todo o seu tempo e contatos pessoais que tivesse.

Os restaurantes fechados na hora do almoço,

assim o os trabalhadores podiam comer em paz.

Na hora do jantar avisos eram colocados na porta:

mest net , não há lugar.

Mesmo se tivessem mesas sobrando,

você não conseguia passar da porta sem subornar o porteiro.

Assim como no atendimento, a indelicadeza era considerada uma forma de arte;

os garçons e garçonetes lutavam pela perfeição.

Cada prato era pesado assim que saia da cozinha.

As balanças ficavam perto das caixas registradoras

para garantir que não houvessem enganos nas porções.

O tráfico de caviar e vodca eram desenfreados.

A maioria dos restaurantes tinham bandas ao vivo, cantando e dançando.

A música ia de canções ciganas a foxtrotes, freilachs

e versões orquestradas do twist soviético.

O favorito da minha mãe era o Restaurante Metrópole.

Uma gigantesca sala da virada do século,

com bailarinos bêbados cambaleando ao redor de uma fonte.

As mulheres estavam livres para trabalhar em qualquer profissão que escolhessem

como médicas, engenheiras e até na construção civil.

Elas eram livres para se divorciarem e para fazerem abortos.

Mas cozinhar, limpar e cuidar da casa

se mantinham como privilégios das mulheres.

Uma coisa sempre estava em falta.

Se chamava défitsitnyi tovar.

Isso podia ser uma sacola de papel

para colocar dentro qualquer coisa que você comprasse,

ou uma pequena espátula de madeira que você usa para comer seu sorvete,

que vem num copinho de papel,

ou até fósforos.

Todos os meus parentes tinham a nacionalidade: Judaica

nos seus passaportes.

O que era conhecido como o quinto registro.

O anti-semitismo durante os anos do Stalin eram implacáveis.

Julek, o irmão do meu pai foi um dos engenheiros que construiu o metrô de Moscou.

Assim que o projeto terminou, todos os engenheiros judeus

foram acusados de apropriação indevida e quase foram colocados na cadeia.

Graças a morte do Stalin, Julek se salvou.

Os cosmonautas tinham um código para seus relatórios às autoridades.

Se eles sentissem que estava tudo bem eles diziam: “Excelente”.

Se eles não se sentissem bem eles diziam que se sentiam bem

“não se sentindo tão bem”,

como fez Vladmir Komarov, se referindo a alguém que tinha morrido.

No verão de 1968 não fomos para Moscou.

Zakouskis, blinis, picles de malossol, creme azedo, borsch e pirojki.

No intervalo uma ida a cozinha para a próxima série de pratos,

lavando e secando pratos, fumaça, uma ligação.

Com todos os problemas para fazer as compras

as refeições demoravam para serem feitas e mais ainda para serem comidas.

Quando meu pai disse a Zoya para ela não comer tanto ela respondeu:

” Você pode viajar. Tudo que podemos fazer é comer”.

E sempre tinham piadas,

como os “Seis paradoxos da União Soviética”.

Um. Não há desemprego mas ninguém trabalha.

Dois.

Ninguém trabalha ainda assim o plano é concluído.

Três.

O plano é concluído mas não há produtos a venda.

Quatro.

As lojas não tem produtos mas em casa tudo está à mesa.

Cinco.

Tudo está à mesa, mas ninguém está feliz.

Seis.

Individualmente ninguém é feliz mas os Soviéticos juntos são um povo feliz.

Em 1975, meu primo Edik e sua esposa Gernilya emigraram para os Estados Unidos.

O resto da família ficou em Moscou e foram imediatamente para a “lista negra”.

Em 1977 Vitya, o irmão de Edik, precisava urgentemente de uma ponte de safena,

depois do seu segundo ataque do coração.

Tinha 90% de taxa de mortalidade

para estas operações na Rússia naquele momento.

A permissão para a saída por três meses não foi dada.

O terceiro ataque do coração de Vitya em 1979 foi fatal.

Ele tinha 48 anos quando morreu.

Nossa família nos levou para Zagorsk.

Nenhum carro à vista em 60km.

Bétulas e datchas de madeira salpicam na estrada.

O monastério do século XIV era um lugar de peregrinação.

Uma mulher idosa se apressa dentro da igreja

limpando e polindo, beijando as mãos do padre.

Ícones do chão até o teto iluminados por lampiões.

Pessoas carregadas em macas.

O cheiro de incenso era forte.

A mulher do nosso primo Gemilya,

nos convidou para conhecer a sua família na Geórgia.

O vôo desde Moscou estava cheio de pessoas e cacarejos de aves.

Uma paisagem diferente, uma língua diferente,

um estado de espírito diferente.

Os parentes de Gemilya nos mostraram as paisagens.

Nós tivemos que alugar uma van para caber nós sete e oito deles.

A hospitalidade dos georgianos era extrema.

As refeições eram intermináveis.

Experimentamos de tudo desde o vinho de Aragvi até a geléia de melancia da vovó.

A comida era deliciosa e nos sentimos empanturrados.

De Tbilissi rumamos para o sul, para a Armênia.

Alugamos dois Volgas grandes e estávamos esperando ansiosamente para almoçar no Lago Sevan

famoso pela sua truta.

Quando fizemos o pedido

a garçonete nos olhou carrancuda e rosnou: Nyet trout.

A vista era pitoresca e novamente comemos frango.

Erevan:

Subindo em vinhas em rochas cor de rosa,

machos mediterrâneos de mãos dadas uns com outros.

1980

Morre o meu pai.

Nossas visitas a Rússia se tornam mais escassas,

mas agora a nossa família pode viajar para o exterior.

A Rita foi a primeira em ir ao Rio

e experimentar Tchaikovsky na batida do samba.

tradução / legenda:

// .txt – texto de cinema //

 

Author: Edson Yann

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