filmes de viagem ENTRE TURISMO E COLONIALISMO

FILMES DE VIAGEM ENTRE TURISMO E COLONIALISMO

Yann Beauvais

O uso do cinema é inseparável de outros meios que apareceram ao mesmo tempo do seu  nascimento. É que são dois meios de comunicação, ou mais precisamente, duas ferramentas que facilitam o deslocamento, que anulam a distância. O primeiro trabalha as imagens mentais, foi a psicanálise que abriu janelas para acender imagens, dificilmente acessíveis à nossa consciência, quando o outro é o avião que minimizou as distâncias entre lugares e aproxima os espaços.

  O cinema vai usar este dois paradigmas para elaborar, criar, novos espaços; novos tipos de representações. Se existe uma tradição de literatura de viagem, que se exemplifica nos livros de Joseph Conrad, o cinema vai rapidamente propôr novas alternativas para conquistar e  impor novos modos de olhar e pensar o espaço, como as pessoas que vivem nesses espaços. O cinema é inseparável de uma reconquista geográfica do espaço que se ilustra através das múltiplas guerras coloniais que se têm registro, na forma de guerra civil ou de circuito turístico onde o estrangeiro, o exótico, são as manifestações da superioridade do homens branco sobre os nativos do mundo.

  Os irmãos Lumière vão mandar operadores para filmar e mostrar o que está acontecendo no mundo, evento ligado ao interesse pelo poder econômico e na sua vontade de expansão; se manifesta com a conquista de um novo imaginário que o cinema fornece. Quando o banqueiro e mecenas Albert Kahn decidiu viajar no inicio do século 20,  e a partir de 1908, pediu para fotógrafos e cineastas fizessem retratos dos diferente aspectos, das particularidades e modos de vida e atividade humanas da época, . Esses profissionais foram recrutados e enviados pelo mundo inteiro a fim de fotografar em cores e filmar. As fotografias e os filmes constituíram o Arquivo do Planeta. Projeto prefigurando de vários anos, projeto do Getty Museum que hoje, na Califórnia, tentar monopolizar as fontes dessas imagens e representações do mundo.

 

  A Fundação Albert Kahn é ainda hoje uma fonte de pesquisa importante para encontrar os primeiros documentos em cores de vários lugares, como por exemplo as primeiras imagens em cores do Rio de Janeiro. As placas fotográficas, placas auto cromáticas, foram desenvolvidas pelo irmãos Lumière que fornecerem as películas para registrar as formas de vida antes que a modernidade acabasse com elas. O projeto participava de uma vontade de preservação (reter os vestígios de um passado que se decompõe em frente a modernidade) e também se inscreve em uma vontade de coleção, no sentido que era possível ver as maneiras de viver dos povos do mundo. De uma certa maneira, o projeto de Albert Kahn renovou o assunto de levar o mundo para primeiro mundo, como fizeram suas exposições universais, que trouxeram imagens do mundo. Aqui você não vê os homens numa sala de exposição, você assiste a uma projeção mostrando fotografias e filmes. O projeto de documentação responde a algumas visão dos lugares, povos com todos os pressupostos, a inocência, a visão de um homem branco do mundo. Mostrar as características de San Francisco alguns anos depois do terremoto. Diferentes visões de meios de locomoção em Tokyo, onde se encontra a tradição e a modernidade.

  Hoje quando estamos olhando as fotografias e vemos os filmes, uma camada suplementar está surgindo de um mundo onde a nostalgia domina. O feito que Albert Kahn é rico, permite que eles compartilhem costumes e ambientes que, até o momento,  não estavam abertos para uma pessoa do ocidente. Ao mesmo tempo ele quer obter imagens da vida cotidiana. Estamos longe do cinema de propaganda, mostrando vida dos ricos, como se via nos filmes do Czar da Rússia. O povo é presente, o mundo está mudando. Hoje as fotografias parecem fora do tempo; ou revelam um mundo desconhecido, estamos quase vendo antropologia ao vivo, com a ausência do som, o das explicações que vão estar contextualizadas pelas cartas do operador. A importância do documento, na celebração da paisagem estava uma preocupação importante, onde se mostra a continuidade da vida, onde as vidas pareciam paradas no tempo. Muitas pessoas que estavam mudando o mundo, adoravam ver as tradição da agricultura e as passagens que os confortavam na permanência de um mundo disparado. Com o projeto de Albert Kahn, não estamos na presença de uma catalogação onde as raças e os costumes são catalogados para mostrar e afirmar a supremacia da cultura do homem branco.

  Quando Oskar Fischinger decidiu caminhar 560 quilômetros da cidade de Muchen até Berlim em 1927, ele decidiu levar a sua câmera 35mm com ele, para documentar sua viagem de três semanas e meia. Todos os planos constituindo o filme são muitos breves. Devemos perceber aqui que o projeto de Oskar Fischinger é um projeto pessoal, ele não responde a um trabalho para um mecenas. O filme que ele fez é mostra uma vontade pelo documentação da vida e das paisagens que ele encontra. É interessante ver como os retratos dos trabalhadores e dos camponeses compartilham com August Sander uma sensibilidade, um tipo de composição semelhante. Este filme é o primeiro de dois, que Oskar Fischinger fez registrando a realidade, o outro foi feito em 1934. O filme nunca foi mostrado em público do cineasta, ao vivo . O filme foi realizado para obter algumas efeitos de time lapse, pixilação, apresenta assim uma rota traseira mostrando a vida de fazendeiros alemães em cidades medievais, com ruas de terra ou pavimentadas e com casas de madeira. Em uma carta Oskar Fischinger dizia : “ Eu vi muito de paisagens lindas, encontrei pessoas amáveis, fazendeiros e trabalhadores e, algumas vezes, ciganos. Me dei bem com todos, tivemos boas conversas. Existe menos diferença entre pessoas do que é geralmente suposto. Eu devo dizer que as pessoas são iguais em toda parte. Existe diferenças, sim, mas estas vêm do caráter e do temperamento e aquelas mesmas variações ocorrem em toda parte.”¹

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O filme de Oskar Fischinger revela, com as suas particularidades do registro, os quadros brancos separando os diferentes temas ou sujeitos, paisagens montanhosas, nuvens, pessoas, o desejo de experimentação com a câmera, mostrando uma indecência em frente a qualidade e o profissionalismo; afirmado nos outros trabalhos de Oskar Fischinger, pelos quais é conhecido: os filmes abstratos. Há aqui uma liberdade que se encontrava de novo quando fiz Motion Painting n°1; onde a improvisação é muito importante para realizar esta obra prima, onde os desenhos de formas geométricas respondem ao som do concerto Brandeburgo n° 3, de J.S. Bach. Em Munich Berlin Wanderung a decisão e o registro dos encontros, sem pensar em fazer um arquivo. O projeto é mais livre, na verdade não tem o projeto de catalogar, o gesto da captação é que importa, não mostrar as imagens, e suficiente o que foi registrado. Com este filme, Oskar Fischinger

não estaá fazendo como Man Ray ou Joris Ivens, um documentário de sua vida, não é um filme de família que serve a reforçar os laços da vida comum com a percepção de um já visto. 
Em 1929, Lazlo Moholy-Nagy foi para Marseille onde fez fotografias e um filme: Marseille vieux port.

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  Nesta época de crise política e econômica, o cinema pode ser útil para registrar fatos e usado como uma fonte educativa ou  instrumento de propaganda. Fora do cinema abstrato, que ele promovia no seus escritos teóricos, Lazlo Moholy-Nagy vai concretizar um cinema social com três filmes Marseille vieux port e Berliner Stilleben (1931) Grosstadt Zigeuner (1932), que ele realizou em Berlim. Três filmes que mostram cidades e seus habitantes no cotidiano. Os filmes são cadernos de notas para fotografias que vão se tornar famosas. Em Marseille, a dinâmica da cidade, mostrada a partir da janela de um prédio, para entrar, percorre a cidade e mostra as atividades da gente, o trânsito das ruas, a sujeira, a pobreza e a arquitetura modernista com a ponte transbordado. O realismo é questionado pela importância da composições fotográficas, contra mergulho, ângulo e afirmação das diagonais, privilegiando uma dinâmica gráfica sobre o sujeito mostrado. Neste retrato da cidade nada é lindo, o que importa é o movimento das pessoas, a circulação parada por causa do calor Dianek fala do filme Marseille como se estivesse uma cronologiia da luz (in: Time and space in the work of Laszlo Moholy Nagy. KIRPATRICK, Diane.  Spring 1988 ) . Saindo de um apartamento para ir às ruas assombradass da cidade, descobrindo a miséria, indo até o porto com o trânsito dos ônibus, até que se encontra a cidade mas velha e pobre, onde dominam as tintas, sombras e obscuridade, com pouca luz, voltando para o sol e a ponte sinônima de progresso e de transformação. Para o artista húngaro, Marseille não é a cidade dinâmica que o Dziga Vertov ou o Walther Ruttm mostraram em seus filmes, é uma cidade que sofre do calor e miséria. Ele opõe a ponte e seu movimento constante ao descanso das pessoas por causa do calor e da fome. A elegância dos movimentos da ponte se opõe às dificuldade dos homens comuns, que não têm o conforto de um lugar para se proteger da chuva ou para dormir. A cidade pobre e exótica, para o olhar modernista. Ela mostra como a sobrevivência se manifesta de qualquer maneira e questiona nossa crença no progresso. Neste filme, como no filme Zigeuner, os gestos simples, o sorriso contaminam e abrem um espaço de resistência às condições de vida. Cidade do sol, Marseille parece para Laszlo Moholy Nagy como a cidade do forte contraste. A manifestação do modernismo se realizando com a ponte móvel, quando os mendigos ocuparam espaço vazio para descansar ou morrer. O olhar é quase antropológico, mostrando tipos e maneiras de vida que não serão mais tolerados. Nestes filmes, no retrato das pessoas sem teto, se encontra o interesse de Laszlo Moholy Nagy pelos ciganos, que são o sujeito de um filme especifico eme Berlim. Para o artista húngaro, os ciganos representavam uma liberdade e um forma de resistência as regras sociais dominantes. Quando ele filma os ciganos em Berlim, o socialismo nacional está apagando este estilo de vida. Grosstadt Zigeuner é o último retrato de uma realidade que não tem mais lugar fora do mito. Como Sybyl, Moholy Nagy dizia : “Ciganos eram o elemento romântico de sua infância. Seu modo de vida era regulado com os ritmos de nascimento e falecimento. Era quase tarde demais para registrar esta antiga cultura nômade. Carro e rádio diminuem as possibilidades dos vendedores e as leis raciais nazistas queriam acabar com esse não-ariano”².

  A Melodie der Welt de Walther Ruttmann organizou-se de maneira diferente. É uma coleção de filmes de arquivos compilados pelo cineasta, é também o primeiro filme alemão, usando pontualmente sincronismo sonoro, o filme é um cruzeiro no mundo. A organização do filme está concentrada nas ativades dos homens do mundo, juntando as atividades que cada povo compartilha com outros. Fazendo comida, mostrando as diferenças, como as semelhanças, num projeto humanista que não pode evitar racismo, preconceito. A montagem é fluida, quase sem sabor porque as diferenças são minimizadas para afirmar o gênero humano suas religiões, exército… todo isto na véspera do segundo conflito mundial. Aqui o cineasta representa os diferentes povos, sem deixar que ele tenha acesso a sua imagens. O que importa é a capacidade do cinema de convocar os sentidos comuns e ligar os estrangeiros, os nativos, conosco. A captura do outro com as imagens lhe confere a sua existência, como analisou Edward Said com a representação do oriente e dos árabes pelos brancos ao longo de toda a história.
 “Esta atitude que coloca ao mesmo nível cada forma de cultura participa de uma pirâmide do saber, onde o poder de designar pertence à cultura ocidental. No começo da especulação ocidental sobre o Oriente, uma coisa que o Oriente não poderia fazer era a representação próprio. A evidência do Oriente era acreditável somente depois que tivesse passado completamente pronta pelo fogo da redefinição do trabalho Oriental”³.
 Neste filme, Walther Ruttmann concentra-se sobre as similaridades dos comportamentos e gestos, para afirmar o ser humano como um gênero especifico independente da cores e das raças. Tudo se dá como fato, sem questionamentos. A divisão hierarquia, a separação das tarefas domésticas, com a distribuição do gênero, parece normal no catálogo dos comportamentos dos seres humanos. Todo o sistema de dominação é acompanhado sem questionamento. O preconceito é a regra que governa o senso comum. O filme faz apologia à uma normalidade que não se realizou, que as regras vitimizam os que representam. Esse filme sonoro mostra uma regressão nas pesquisas cinematográficas de Waltherr Ruttmann, que realizou filme e proposta mais interessantes com Berlim Symfonia da Grande Cidade, os Opus I-IV, ou mesmo o projeto sonoro Week-End. É importante saber que mais tarde Walther Ruttmann vai apoiar o regime nazista, e defender a sua ideologia da superioridade da raça.

  Quando se pensa neste filme de Ruttmann, devemos perceber que é um exemplo do tipo de documentário dominante e que se apresenta como os filmes de viagem, nos quais se descobrem o mundo, os lugares, como povo. A pretensão científica que se mostra como reflexo da realidade, é uma ficção que Luís Bunũel assumiu muito bem no Las Hurdes, onde apresentou um lugar pobre na Espanha, um povo de costumes estranhas. A pseudo neutralidade dos filmes científicos, ou de filmes de viagem, é denunciada pelo comentário exagerado, irônico de Luís Bunũel, é exemplo da sua estratégia, como os filmes trabalham com a propaganda. O filme de Bunũel instaura um outro regime do discurso questionando-os, principalmente a função e o uso de uma pseudo verdade para justificar o estado da sociedade ou do mundo. A ficção cientifica, como a neutralidade do comentário, são agentes da mesma fábrica do consenso que consiste em continuar com as mesmas coisas, não muda nada; repete até o fim a mesma coisa para sempre. O desvio se realizou com o som que, manipulando as imagens, mostra que outras compreensões são possíveis. A partir daí se pode fazer ouvir outras vozes. As criticas da religiosidade são fortíssimas no filme, ligando-as com a pobreza, a ignorância e o poder.

 

 

A palavra critica está acontecendo no campo da subjetividade, mas isto não garante que a ideologia que se revela nos filmes foi critica. É necessário ter uma aproximação critica da sociedade, que se manifestara também no mídia. Este tipo de relação não acontece sempre, as formas podem ser radicais, mas o conteúdo ideológico é o mesmo. Os filmes de viagem são interessante nesta perspectiva, a banalidade dos sujeitos fazem surgir outros elementos, com a confrontação com as novidades, o esquito, o exótico. Com Las Hurdes as ambiguidades, as oposições entre a natureza do som, a quarta sinfonia de Johanes Brahms opõe- se com a cultura primitiva dos Hurdanos. Las Hurdes justapõe três discursos; um com as imagens quase etnológicas, o comentário narrativo e a música erudita. O filme questiona nosso preconceito em relação às representações dos outros. O filme critica as relações da arte com a etnologia, a antropologia. É um filme sobre nosso voyeurismo, o filme trabalha a distância entre o ver e o quem está vendo. Entre a fabricação da ilusão do saber através da filmagem.

Um exemplo famoso na historia do cinema experimental é o filme de Peter Kubelka : Unsere Afrikareise. Peter Kubelka é um artista cineasta austríaco, que revolucionou o cinema em Viena com seus primeiros filmes a partir do fim dos anos 50, ele criou o cinema métrico que é um cinema que se pensa a partir do metragem do filme, com os números de quadros da película antes de se pensar em sequências. “O cinema é um organismo, um ser vivo que cresce, muda e se desenvolve…./…E inclusive eu não posso, para mim, dar uma definição fechada. Eu sempre gostei de experimentar a essência, o essencial do cinema. Cada disciplina, cada meio (pintura, literatura, cinema) não é isolado, sobrepõe-se a outras disciplinas. Por exemplo, cinema e literatura narrativa se sobrepõem, o cinema comercial é esta sobreposição : narra. O cinema comercial é usado primeiramente para uso narrativo, para uso literário. Agora, a mim, sempre interessam as qualidades essenciais de um meio, as qualidades que nenhum outro meio pode ter. E a questão, quando eu comecei a fazer cinema, foi sempre a mesma: o cinema é um arte que tem o direito de chamar arte por si, e não somente uma reprodução ou algo de segundo grau, que jamais poderia ter a posição da poesia, da pintura, da música. Eu sempre acreditei que o cinema tem possibilidades de ampliar o pensamento humano, adicionando novos aspectos que outras disciplinas não podem acrescentar.”⁴ Ao fim dos anos 50, depois os três filmes métricos com quais Kubelka redefine o cinema, quando ele iniciou o projeto de Unsere Afrikareise ele não sabia que levaria cinco anos de sua vida para concretizar e finalizar o projeto.

Seguindo Carlos Adriano : “O filme de encomenda sobre um safari organizado por ricos burgueses e caçadores austríacos na África (Sudão) em 1961, e que deveria ser apenas um espécie de álbum de recordagem do viagem”⁵. Kubelka tinha um interesse de ir à Africa, porque era uma oportunidade de visitar o pais e a cultura primitiva que sempre admirou e sonhou conhecer. O filme vai renovar o modo de pensar do cineasta em relação a introdução de novos conceitos para pensar o filme a partir das relações entre som e imagem. Ele vai produzir “uma teoria da metáfora através da montagem cinematográfica” na qual ele define novas parcerias entre o som e a imagem, mais precisamente na causalidade entre som e imagem. Ele vai explorar as possibilidades causais entre as informações, desviando as conexões direitas entre a fonte do som , sua representação visual e seu acontecimento sonoro. Este procedimento abre possibilidades quebrando as formas de ligações narrativas, com as quais regulamos a nossa experiência de mundo através das representações em filme. O projeto do artista consiste em trabalhar com as diferenças entre a sincronia dos eventos na natureza e a não-sincronia do cinema. O cinema tem a capacidade de separar o som do evento que produz. Isto não acontece na natureza; onde o som está sempre ligado ao emissor. Não existe possibilidade de dessincronização natural. Talvez seja difícil entender a fonte de tal som particular, outras vez por acaso um som acontecera (uma batida forte de tambor no caso de Unsere Afrikareise, ao por do sol, quando ele atingiu a linha de horizonte). Mas isto é coincidência. Os africanos podiam sincronizar assim um evento natural com a produção de um som. Esta experiência foi decisiva para Peter Kubelka, ela mostrava que era possível transformar um evento com o som. A riqueza dos relacionamentos, o jogos com momentos distintos, ou evento que vai acontecer, ou que já passou, tudo isso é bem calculado. Este filme precisa ser visto muitas vezes para entender e compreender a “estruturação destruturante” entre som e imagens. De um lado a riqueza do filme parece ilimitada neste sentido, mas de outro, vez em quando se olha o conteúdo diferentemente, outros aspetos que surgem, inscrevem o cineasta e sua cultura em oposição ideológica. Não se pensa de maneira dialética as relações entre os brancos e os nativos, eles são parte do espetáculo.

 

  “Entre os shots (tiros) dos animais e os shots (tiros) dos corpos dos africanos, não têm muitas diferenças no olhar. Todos manifestam um olhar voyeuristico, seja ao olhar os animais com os binóculos ou com armas com lentes. Como Catherine Russell evidencia no estudo sobre a experimental etnografia, toda a hierarquia de visão neste filme é articulada como um sistema de vitimização e crueldade. Os corpos dos africanos são contínuamente estetizados, fetichezados e exotizados, quando os dos brancos são feios, banal é imóvel”⁶. O trabalho muito sofisticado encontra seus limites se nós pensarmos em termos raciais e culturais. A fascinação pelo primitivo, a experiência fundamental do filme, que se manifesta com a realização do sincronismo que os africanos realizam com o sol se transforma no mito do bom selvagem, realizando seu cinema. A ideologia da arte se revela também no momento que Peter Kubelka parece privilegiar a cultura primitiva. Se a crítica dos austríacos caçadores é bem-vinda, ele questionou a estupidez da cultura moderna do progresso, em proclamando a dominação propriamente ilusória da planeta pelo homem branco.

  Podemos encontrar uma critica semelhante com um filme de Eder Santos que se chama A Europa em cinco minutos. A partir d’uma coletânea de super 8, o cineasta interroga o preconceito do filme de turismo mostrando as viagens feitas pelos pequenos burgueses da classe média brasileira, que são iguais a qualquer outros do mundo. Um desejo de apropriação com o registro das passagens e lugares que você deve ter visto uma vez na sua vida.
 A linguagem doméstica do super-8 é analisada por meio de uma de suas utilizações mais frequentes: o registro de viagens turísticas. Superoitistas e outros profissionais falam da arte de fazer super-8. A cineasta Lisl Ponger, trabalha desde 1996 com coletânea de super 8 para revisitar o movimento dos imigrantes e emigrantes na Austríaco, a partir dos filmes que fizeram viajando pelo mundo, mostrando como eles vêem o mundo, os povos que eles encontram ou não encontram. Lisl Ponger é uma artista que trabalha com o conceito de que fazer um filme é trabalhar com a ilusão. Ilusão de nossa percepção em frente ao que nos é apresentado. Seus filmes trabalham a nossa ignorância de entender, compreender os eventos que são mostrados. Temos a impressão que nos entendemos porque nós queremos, como todas pessoas assistindo um filme, construir um sentido fechado a partir do diverso da experiência. Seu filme Passage, compartiha com um filme de Caribe Cécile Fontaine, a idéia da viagem no filme Cruises (1989), onde uma publicidade de um cruzeiro no  evoca outro tipo de turismo, como os do nazista, em Colmar, durante a Segunda Guerra Mundial. O som e as imagens.

  Em Passage (1996) quando estamos ouvindo as vozes dos viajantes que contam situações detalhadas das suas viagens, nós  estamos vendo imagens turísticas que parecem, temporariamente, combinar com estas histórias, mas muito mais freqüentemente colidir-se ou contradizer-se a elas, como observou Jonathan Rosembaum. A experiência dos filmes de Lisl Ponger apoia-se sobre este desejo ou condicionamento forte, que se encontra no espectador, de assumir uma sincronia entre as imagens e as palavras. Aqui nós estamos pensando no sincronismo que Peter Kubelka estava invocando com a sua experiência africana. Nossos hábitos fazem que nos queiramos uma ligação homotética entre as imagens e os sons. Este desejo é tão forte que nós não entendemos os idiomas falados. Nosso reflexo mental a normalizar e alisar sobre descontinuidades entre o som e as imagens, e que rendem o que Ponger tem chamado já ilusão do cinema, é um dos fatores decisivos em seu trabalho. O que nós estamos vendo é determinado em parte para o que nós ouvimos ou não ouvimos. O inverso se verifica também. Quando nós estamos ouvindo estas historias, nós queremos ouvir histórias de turismo, quando as narrativas são de pessoas que fugiram seu país. Nós queremos ouvir isto porque estamos vendo imagens de turismo, imagens de clichê turístico, excluindo simultaneamente o horror do exílio involuntário que se fala na coluna sonora.
 O filme Déja-vu (1999), vai ampliar esta discrepância entre imagens e sons. O critico Tim Sharp, com o qual Lisl Ponger criou um sito sobre ImageNative (http://lislponger.com/imaginative/htm/content/page-e.htm), falando de Déja-vu dizia : neste filme, Déja-vu, tem onze idiomas nativas, cada uma refletindo um modo de pensar distinto e os assumptivos culturais daqueles que os falam. Alguns idiomas (Inglês, Francês Alemão, Português) representam os artigos principais da exportação que espalham a palavra com o zelo do missionário no interesse da política do poder, da eficiência econômica e da presunção cultural. Nesta era pós-colonial, nós estamos parcialmente cientes das hierarquias que a língua cria; é importante também considerar o lugar onde nós estamos assistindo o filme. Nós somos (querendo) prisioneiros capturados por imagens de cintilação. A colona sonora, entretanto, transforma-nos temporariamente no assunto colonial. Bem firme em seu assento você não pode escapar do desejo de compreender, não a improbabilidade para ter dominado 11 línguas. Este lingüística desamparada, acoplada com aborrecimento ou frustração possível, cria um contraponto emocional à natureza sedutora das imagens, reproduz em uma pequena escala os sentimentos de perplexidade e da impotência que é a tarifa diária do colonizada.

1 – Oskar Fischinger : in Optical Poetry The Life and Work of Oskar Fischinger by William Moritz John Libbey Publishing p 20, 2004


2 – Sibyl Moholy-Nagy, Moholy-Nagy Experiment in Totality, MIT Press p 78 June 1969

3 – Edward Said Orientalism Penguin Book 1978-2003 P 283


4 – Peter Kubelka A essência do cinema Carlos Adriano e bernado Vorobow, edições Babushka, p 41, São Paulo 2002

5 – Idem p. 133


6 – Catherine Russell : Experimental Ethnography The Work of Film in The Age of Video, p 129, Duke University Press 1999

Tradução: B³ / Claire Laribe

Author: admin

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