José Agrippino de Paula
Nov15

José Agrippino de Paula

Há quase seis anos, morria José Agrippino de Paula, importante artista da contra-cultura brasileira que deixa uma obra singular composta de romances, de uma peça de teatro e de alguns filmes. Obra chave da literatura brasileira, PanAmérica1 compartilhava grande número de aspirações da juventude brasileira da épocaos anos 60, apropriando-se de boa parte da cultura americana. Neste romance e na peça United Nations, José Agrippino de Paula desmontava, por meio do excesso, as mitologias cotidianas produzidas pela indústria cultural. José Agrippino de Paula nasceu em São Paulo em 1937. Após estudos de arquitetura, ele passa a residir no Rio de Janeiro onde estuda até 1964. É nesta cidade que ele vai escrever seu primeiro romance: Lugar Público2 . Trata-se de um verdadeiro romance de formação no qual o choque entre as culturas é patente. Ao formidável desenvolvimento das cidades da América do Sul corresponde uma expectativa da juventude que busca outros modelos no cinema e na música americana. O confronto entre uma ordem vacilante e o retrato de uma nova geração que sobrevive em uma cidade que supomos ser o Rio de Janeiro e que sofre diretamente o golpe de Estado de 64; A descrição de uma manifestação de operários, reprimida pelo Exército; A irrupção de tanques na cidade desertada e o anúncio do golpe de Estado no rádio são incorporados no romance. São aspectos relevantes do texto, mas não tão recorrentes como o tema da morte do pai ou como a questão da homossexualidade e da prostituição. O romance multiplica as descrições de zonas urbanas desoladas ou em pleno desenvolvimento, e é atravessado pelas derivas de um grupo proteiforme de amigos que tem enormes dificuldades para garantir sua sobrevivência. O interesse pela paisagem urbana e pela mitologia cotidiana é compartilhado com outros autores brasileiros dos anos 60 mas, no caso de Agrippino, esse interesse manifesta potencialmente uma cenografia que irá se desdobrar nos happenings realizados com Maria Esther Stockler e no seu filme Hitler 3o Mundo. Ele reconhece que “sua formação em arquitetura tem tudo a ver com cenografia”  3 .  Desde 1961, tirando proveito do teatro Arena da universidade, ele monta uma adaptação de Crime e Castigo. De volta a São Paulo, ele freqüenta os ateliês de Roberto Aguilar e de Maria Esther Stockler, onde ela ensaia um solo. José Agrippino e Maria Esther vivem juntos por breve tempo e trabalham separadamente em um primeiro momento: ela monta dois espetáculos no seio do grupo Móbile 4  e ele escreve seus dois primeiros romances. Por ocasião de um festival produzido e financiado pelo Sesc SP, eles trabalharão juntos na peça Tarzan do 3o Mundo. O espetáculo, apresentado durante...

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Daniel Eisenberg e a Produção do Sentido da História a partir de Displaced Person.
Oct12

Daniel Eisenberg e a Produção do Sentido da História a partir de Displaced Person.

Daniel Eisenberg é um cineasta exemplar. O seu trabalho se situa na fronteira das práticas frequentemente julgadas incompatíveis. Ao cinema pessoal, ele confere uma dimensão documentária; à dimensão pessoal ele impõe grades e estruturas formais; ele brinca assim com os gêneros misturando formas frequentemente opostas que fazem alternar ou se sobrepor estratos de discursos distintos. Além disso, esses filmes se caracterizam por uma forte dimensão reflexiva se espalhando segundo vários eixos que vão se conjugar: a questão da história, a presença da história nas paisagens urbanas contemporâneas, a dimensão pessoal nas histórias, a questão da memória e do arquivo, a questão do documento. Nenhum dos filmes que ele dirigiu até hoje se finaliza numa certeza, numa verdade, mas o filme nos propõe um caminho através dessas instâncias nas quais a cidade e a história são examinadas através de um prisma pessoal que não se impõe como uma visão e uma expressão romântica de um sujeito em busca de sua identidade, embora a questão da identidade seja preponderante [predominante] nesse filme ela não se resume à constituição de uma identidade, mas como se pode entender na trilha sonora de Cooperation of Parts (1987) (Cooperação das partes) «Se eu tivesse que criar minha identidade eu poderia facilmente me encontrar com uma falsa ideia.» Com isso, o cineasta reconhece nossa aptidão quanto a sua produção, mas como o releva justamente Mar McElthatten, nós não somos os únicos detentores e autores de nossa personalidade, da nossa identidade, de fato; nós somos uma cooperação de partes (1). A identidade se revela então uma construção, ela não é dada. « Por onde nós vamos nós não podemos nos desfazer do nosso eu.» Tal é o conteúdo da terceira legenda de Cooperation of Parts sobre um desfile de paisagens tomado da janela de um trem entre a França e a Alemanha e que é retomado oralmente durante a visita de um dormitório de um campo de concentração (Dachau). Dan Eisenberg vem de um outro tempo, ele começa a fazer filmes a partir de 75 e de outro horizonte cinematográfico, ele é de fato durante vários anos montador de vários documentários para a televisão pública americana em Boston, ele compartilha com cineastas como Ernie Gehr, Yvonne Rainer, James Benning preocupações formais que serão o motor do filme, assim como ele manifesta um interesse pelo documento, o arquivo, como o releva Jeffrey Skoller (2), articulando essas dimensões segundo a forma do ensaio como se encontra em vários cineastas contemporâneos de Chris Marker passando por Chantal Akermen. Seus filmes se impõem pelas suas formas originais a uma estética da colagem e da justaposição de elementos disparatados que lhes fazem...

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A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte II
Oct12

A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte II

A afirmação de um sujeito, a sua posição referente à crítica das mídias será questionada de várias maneiras em Amerika (1972-83). A construção em mosáico, com partes recorrentes tais como motivos espalhados no fluxo do filme, toma como sujeito os bancos de imagens. Nesse filme Al Razutis questiona de maneira plural a iconografia das mídias roubando [pilhando] os bancos de dados e de imagens de arquivos opondo-os aos instrumentos de percepção e de transformação. Ele mistura vários registros visuais e níveis de discursos que questionam as ideologias de massa sobrepondo modos de visão distintos que se afirmam, se contradizem, comentando as partes que o antecedem. Essa construção aparenta-se mais a uma desconstrução no sentido derridiano, quer dizer revelando as confusões, decalagens de sentido que a omnipresença das mídias contemporâneas induz, escravizando e vitimizando o espectador. Não se poderá dizer que Amerika foi influenciado pelo situacionismo, ele participa da época e na sua osculação do mundo espetacular aparenta-se a interrogações e coloca as mídias em situações. A sequência (The Wildest Show) (O espetáculo mais selvagem) na qual as imagens de arquivos (guerra do Vietnam, Segunda Guerra Mundial, execução, jogo TV…interrompidos por spots de propaganda, eles mesmos desviados visualmente pelo meio de textos colocados sobre as imagens) e slogans são incorporados a painéis publicitários. Inscrição nas paisagens urbanas de slogans e documentos que os parasitam. Essa invasão das imagens, e a sua encenação espetacular antecipam a invasão móvel da imagem em movimento. Na encruzilhada de um questionamento sobre a arquitetura e as modalidades de ocupações dos espaços por e dentro da imagem, o filme propõe várias modalidades e critica essa contaminação icónica. A cidade se revela através da apropriação dos espaços publicitários aos quais respondem a proliferação de grafos que se opõem, desviam, contaminam em camadas as paisagens abandonadas ou os lugares simbólicos de conglomerados, de instituições segundo travellings laterais de três sequências de Motel / Row. Na versão tripla tela desse filme, o trabalho, a discrepância, é fortalecida pela justaposição e a vertigem aparente induzida pelas três trilhas sonoras simultâneas, que ativam e afiam nosso olhar. Esse filme soma, compartilha algumas das interrogações de Kirk Tougas que, em dois filmes da mesma época, implanta um questionamento relativo às mídias, em Politics of Perception (1973) (Políticas de percepção), fazendo um trailer de um filme com Charles Bronson (The Mechanic- O mecânico) enquanto em Letter from Vancouver (1973)i (Carta de Vancouver) depois de uma primeira parte voltada para as mídias (tais como propaganda, cinema, televisão) e no Canadá usando um slogan do partido liberal canadense; o filme assenta uma experiência. Essa experiência próxima a de L’anticoncept (1952) (O anticonceito) de Gil Wolmaniiou das de Peter Kubelka...

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A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte I
Jul30

A influência de Guy Debord no cinema experimental e na videoarte I

30 de julho de 2013 O projeto dessa conferência é observar qual é a influência das propostas cinematográficas de Guy Debord que necessariamente tratará ao mesmo tempo tanto dos filmes como também os escritos sobre cinema. Nós limitaremos aqui essencialmente à influência de tais propostas no campo do cinema experimental e vídeo arte, deixando de lado os trabalhos de inspiração situacionista que invadiram as telas publicitárias e filmes de diversão. Não se trata de um estudo enciclopédico; nós queremos mais explorar as ligações existentes entre as propostas cinematográficas de Guy Debord no cinema de vanguarda e vídeo arte e aquelas dos anos 70. Lembremos que a compreensão do cinema segundo Guy Debord se efetua visando uma oposição radical ao cinema dominante. Para fazê-lo é preciso desenvolver um setor realmente experimental do cinema. Quando Guy Debord fala em se apoiar em um setor experimental do cinemai, ele não faz referência às reivindicações similares tomadas por Lazlo Moholy-Nagy em 1932ii e menos ainda às de Len Lye que só conheceu mais tardeiii. Ele reconhece dois usos do cinema: primeiramente seu emprego como forma de propaganda no período de transição pré-situacionista; em seguida como emprego direto de uma situação realizada. O pensamento do cinema implantando na Internacional Situacionista e por Guy Debord depende por uma grande parte da dinâmica letrista, a projeção do Traité de bave et d’Éternité (Tratado de baba e de Eternidade) de Isidore Isou foi importante, e também os debates em volta de um novo cinema tal como defendido por Gil Wolman, Marc O, cujos vestígios se encontram no número da revista Ioniv. O primeiro filme de Guy Debord vai radicalizar-se entre a publicação do seu primeiro roteiro onde incluía imagens filmadas e acabava-se por uma tela preta acompanhadas de um curto silêncio antes de fazer ouvir gritos violentos no escuro. Após a interdição do Anticoncept (Anticonceito) de Wolman http://www.ubu.com/film/wolman_anticoncept.html, ele vai radicalizar a proposta de Hurlements en faveur de Sade (Rugido [Grito] em favor de Sade) excluindo as imagens em favor somente do preto e branco, e no qual sequências de silêncios alternam com tela preta. A radicalidade da proposta, a provocação do gesto 24 minutos de silêncio no escuro, fazem desse filme um antifilme buscando a abolição da experiência cinematográfica e que a produção de Debord, no entanto, vai contradizer ao longo dos anos; como si Hurlements en faveur de Sade (Rugido [Grito] em favor de Sade) representava a tabula rasa que torna possível pensar em outra prática do cinema. O filme participa da dinâmica instituída pelo aparecimento do cinema discrepante do início dos anos 50 implantado pela vanguarda letrista. O filme se propõe a acabar com «toda expressão...

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«It’s all the same you, you’re queer anyhow!» OS FILMES DE MARK MORRISROE
Jun11

«It’s all the same you, you’re queer anyhow!» OS FILMES DE MARK MORRISROE

«It’s all the same you, you’re queer anyhow!» OS FILMES DE MARK MORRISROE O TEMPO DAS IMAGENS #5 Os filmes de Mark Morrisroe Minha vida Infância + Judy Garland Escola + impopularidade Vizinhança prejudicial Mudança traumatizante Puberdade + revista de putaria Sair de casa Prostituição + celebridade Levado um tiro Trauma do lar Libertação pela escola de arte Garçom Maturidade Prostituição provocadora E promiscuidade Amor É tão bom Sucesso França Trabalho na restauração Drogas + depressão Nova Iorque Mais depressão AIDS Alguém se incomodaria se eu me travestisse?[1]   O trabalho fotográfico de Mark Morrisroe, exemplar em mais de um aspecto, divide com seus contemporâneos dos anos 80 uma dimensão poética particular, através das marcas coloridas das anotações esboçadas nas margens das fotografias, que lembram os graffiti murais, bem como as palavras pintadas de Jean-Michel Basquiat, Futura 2000, sem chegar em Cy Twombly, se bem que… Essas inscrições desajeitadas afirmam uma subjetividade, assim como elas se colocam ao oposto da imagem civilizada da fotografia. São comentários que me lembram a presença da voz nos diários filmados de Jonas Merkas ou à irrupção da caixa de papelão interrompendo o fluxo de uma sequência, apontando outros universos, outros tempos. Na riqueza dos tratamentos da imagem em Mark Morrisroe, acha-se uma proximidade com a atitude adotada por vários cineastas experimentais, que se opuseram e defenderam uma estética da matéria, trabalhando, triturando os diferentes estratos do suporte argêntico; suporte cujo futuro iminente era pensado como ultrapassado, obsoleto. O recurso a esse “materialismo” se generalizou no início dos anos 80 na Europa e nos Estados Unidos, principalmente em Boston, em torno das figuras de Saul Levine e Carolyne Avery. Essas marcas manifestam uma apropriação suplementar, elas inscrevem-se, sobretudo no campo da fotografia; uma revisão do uso da fotografia que, se distanciando do seu aspecto puramente mecânico, reafirma através de tais rastros uma dimensão artesanal, manual da fotografia, e reivindica por ela mesma, seu aspecto pictorialista[2], fazendo-a cair no campo do desenho. Uma dimensão que se inscreve em conflito, com o tornar-se máquina celebrado por Warhol alguns anos mais cedo. Essa grafia é tão mais pertinente na medida em que ela estratifica o âmbito pessoal das fotografias de Mark Morrisroe, fornecendo outras temporalidades e se abrindo a outros espaços afetivos. Mark Morrisroe desenvolve, como os outros membros da escola de Boston, uma perspectiva autobiográfica em suas fotos como nunca foi feito até então. A fotografia como arte menor (aquela que não tem realmente o estatuto de arte), quer dizer a do nosso cotidiano, torna-se o tema predileto de cada membro da escola de Boston. Não é tanto o entorno de relações que é retratado, mas a...

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mudança do privado DO CINEMA EXPERIMENTAL À INTERNET
May28

mudança do privado DO CINEMA EXPERIMENTAL À INTERNET

  O cinema experimental documentou a vida de uma pessoa, de um grupo. A erupção do vídeo aumentou esta produção pessoal, com a democratização do acesso aos instrumentos de filmagem e a multiplicação de canais de televisão (livres, públicas…) para mostrar os trabalhos. A Internet vai ampliar este acréscimo na difusão, e ao mesmo tempo refletir a transformação de noções do íntimo e do privado. Da representação de si à devoração ou da intermitência ao fluxo.   No cinema experimental, gênero com pouca importância até pouco tempo, a questão da representação de si foi essencial, ela tornou possível o desenvolvimento de novas formas de narrativas que atravessaram os gêneros e muitas vezes comprometeram a linearidade do cinema clássico. O mesmo se aplica com o vídeo, que tornou possível ao mesmo tempo uma extensão e uma reorganização destas questões, através da sua contribuição a uma arqueologia do cotidiano. As questões do tema da temporalidade começaram então a ter um papel predominante, preponderante, nessas transformações e alterações quanto à representação de si. Eu gostaria de indicar alguns momentos nesta transfiguração.   Esses momentos não são necessária e historicamente fundadores dessa mutação, eles a indicam, a acompanham, a transformam, pois sempre será possível achar anterioridades. Mas eu não busco estabelecer, fundar, uma origem. Isso não tem muito interesse. É outra coisa que me motiva. Los Angeles anos 40 Maya Deren: Meshes of the Afternoon, Keneth anger Fireworks (1947) Nova Iorque anos 60 e 70 , São Francisco Stan Brakhage: Window Water Baby Moving (1959) Carolee Schneeman: Fuses (1964/67) Jonas Mekas : Lost Lost Lost (1976) e Reminiscence of a Journey to Lithuania Sherry Milner & Ernest Larsen: Disaster (1976)   É curiosa a ironia de que estão tão acostumados a assistir filmagem editada, que a filmagem sem edições parece algum tipo truque sujo – pegando as pessoas quando baixam a guarda, espiando-as. O que Sullivan chama de “the pravda of the atter”, na verdade é o contrário. “Quando um grande evento esportivo é interrompido por cinco minutos durante os comerciais de cerveja, você sabe que os ideais originais por trás do evento foram jogados pela janela do sexto andar”, ele diz. “A mídia de agora mais confunde a população, do que os eclarece, por estarmos sendo alimentados de coisas que são manipuladas e estamos sendo manipulados por eles, para sermos bons consumidores.” É por isso que ele deixa a câmera rodando antes, durante e depois do espetáculo. Afinal, a vida não vem com botão “liga-desliga”, seleção de canais ou intervalos – está acontecendo até o fim. Diversos lugares, mais tarde, agora ? Nelson Sullivan: A walk to the Pier, The Last Day (1989)...

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