mudança do privado DO CINEMA EXPERIMENTAL À INTERNET
O cinema experimental documentou a vida de uma pessoa, de um grupo. A erupção do vídeo aumentou esta produção pessoal, com a democratização do acesso aos instrumentos de filmagem e a multiplicação de canais de televisão (livres, públicas…) para mostrar os trabalhos. A Internet vai ampliar este acréscimo na difusão, e ao mesmo tempo refletir a transformação de noções do íntimo e do privado. Da representação de si à devoração ou da intermitência ao fluxo. No cinema experimental, gênero com pouca importância até pouco tempo, a questão da representação de si foi essencial, ela tornou possível o desenvolvimento de novas formas de narrativas que atravessaram os gêneros e muitas vezes comprometeram a linearidade do cinema clássico. O mesmo se aplica com o vídeo, que tornou possível ao mesmo tempo uma extensão e uma reorganização destas questões, através da sua contribuição a uma arqueologia do cotidiano. As questões do tema da temporalidade começaram então a ter um papel predominante, preponderante, nessas transformações e alterações quanto à representação de si. Eu gostaria de indicar alguns momentos nesta transfiguração. Esses momentos não são necessária e historicamente fundadores dessa mutação, eles a indicam, a acompanham, a transformam, pois sempre será possível achar anterioridades. Mas eu não busco estabelecer, fundar, uma origem. Isso não tem muito interesse. É outra coisa que me motiva. Los Angeles anos 40 Maya Deren: Meshes of the Afternoon, Keneth anger Fireworks (1947) Nova Iorque anos 60 e 70 , São Francisco Stan Brakhage: Window Water Baby Moving (1959) Carolee Schneeman: Fuses (1964/67) Jonas Mekas : Lost Lost Lost (1976) e Reminiscence of a Journey to Lithuania Sherry Milner & Ernest Larsen: Disaster (1976) É curiosa a ironia de que estão tão acostumados a assistir filmagem editada, que a filmagem sem edições parece algum tipo truque sujo – pegando as pessoas quando baixam a guarda, espiando-as. O que Sullivan chama de “the pravda of the atter”, na verdade é o contrário. “Quando um grande evento esportivo é interrompido por cinco minutos durante os comerciais de cerveja, você sabe que os ideais originais por trás do evento foram jogados pela janela do sexto andar”, ele diz. “A mídia de agora mais confunde a população, do que os eclarece, por estarmos sendo alimentados de coisas que são manipuladas e estamos sendo manipulados por eles, para sermos bons consumidores.” É por isso que ele deixa a câmera rodando antes, durante e depois do espetáculo. Afinal, a vida não vem com botão “liga-desliga”, seleção de canais ou intervalos – está acontecendo até o fim. Diversos lugares, mais tarde, agora ? Nelson Sullivan: A walk to the Pier, The Last Day (1989)...
mostrar o que não se vê — SU FRIEDRICH & o cinema
À sombra tutelar dos cineastas americanos, trabalhou na área do “documentário subjetivo”; Wharol, Mekas, ou seja artistas que documentaram micro-mundos, ambientes nos quais eles se identificavam, o cinema de Su Friedrich se desenvolveu privilegiando a fala, a escrita de um “eu”, se distanciando da celebração apenas em benefício de um posicionamento em relação ao mundo. Segundo Catherine Russel, mesmo se Warhol transforma seus amigos-atores em produtos, enquanto Mekas torna seus amigos cineastas em poetas de um novo mundo; aquilo que os motivava não era documentar os mundos, mas renovar as formas das representações cinematográficas, colocando em primeiro plano a experimentação formal e a expressão pessoal. Essas duas abordagens serão criticadas pelos cineastas que se afirmaram nos anos oitenta, entre os quais Trinh-Minh-há, Peggy Ahwesh, Su Friedrich, Abigail Child, Leslie Thornton, Pratibha Parmar, Isaac Julien, Marlon Riggs, Richard Fung, são as figuras mais importantes. A primeira vez que eu assisti um filme de Su Friedrich, em Londres, foi Gently Down the Stream de 1981. Esse filme curto me surpreendeu, ele parecia muito distante de tudo que então acontecia na França. Ele associava diferentes técnicas e conteúdos, usados com pouca frequência (poucos usitados) no cinema experimental da época, apesar do fato do cinema do corpo ser um cinema subjetivo, o filme focava mais na performance que na intimidade. Gently Down the Stream coloca a dimensão pessoal como prática política que torna do sonho um instrumento de análise de si mesmo e do social. A política dos corpos e dos gêneros, assim se manifestava através de uma série de sonhos gravada sobre a emulsão. Trata-se de uma seleção do seu diário de sonho. As imagens, acompanhando esses sonhos, não necessariamente ilustravam o conteúdo do sonho, a relação era menos sutil, menos tênue. Como escreve a cineasta, em um livro de artista que ela dedica a esse filme: “Quando a gente assiste ao filme, se leem os treze sonhos”. Os textos espalhados ritmam o filme, dando-lhe um aspecto tátil; eles ritmam e dão forma à imagem composta do filme, palavra por palavra, letra por letra, assinando, legendando, taxando as imagens fotográficas cujo elemento dominante é a água, imagem em movimento constituindo o segundo elemento da proposta. Os sonhos expõem os conflitos pessoais entre a política e a sociedade, frente à sexualidade, religião e feminismo. Esses temas são trabalhados ao longo da obra da cineasta. Quando Su Friedrich se lança, embarca, no cinema experimental, este está amplamente dominado pela produção masculina. Ela constitui o corpus majoritário do panteão da Antologia Film Archive nomeado The Essential Cinema, apesar da importância das obras de artistas norte americanas como as de Maya Deren, Shirley Clarke, Marie...
filmes de viagem ENTRE TURISMO E COLONIALISMO
FILMES DE VIAGEM ENTRE TURISMO E COLONIALISMO Yann Beauvais O uso do cinema é inseparável de outros meios que apareceram ao mesmo tempo do seu nascimento. É que são dois meios de comunicação, ou mais precisamente, duas ferramentas que facilitam o deslocamento, que anulam a distância. O primeiro trabalha as imagens mentais, foi a psicanálise que abriu janelas para acender imagens, dificilmente acessíveis à nossa consciência, quando o outro é o avião que minimizou as distâncias entre lugares e aproxima os espaços. O cinema vai usar este dois paradigmas para elaborar, criar, novos espaços; novos tipos de representações. Se existe uma tradição de literatura de viagem, que se exemplifica nos livros de Joseph Conrad, o cinema vai rapidamente propôr novas alternativas para conquistar e impor novos modos de olhar e pensar o espaço, como as pessoas que vivem nesses espaços. O cinema é inseparável de uma reconquista geográfica do espaço que se ilustra através das múltiplas guerras coloniais que se têm registro, na forma de guerra civil ou de circuito turístico onde o estrangeiro, o exótico, são as manifestações da superioridade do homens branco sobre os nativos do mundo. Os irmãos Lumière vão mandar operadores para filmar e mostrar o que está acontecendo no mundo, evento ligado ao interesse pelo poder econômico e na sua vontade de expansão; se manifesta com a conquista de um novo imaginário que o cinema fornece. Quando o banqueiro e mecenas Albert Kahn decidiu viajar no inicio do século 20, e a partir de 1908, pediu para fotógrafos e cineastas fizessem retratos dos diferente aspectos, das particularidades e modos de vida e atividade humanas da época, . Esses profissionais foram recrutados e enviados pelo mundo inteiro a fim de fotografar em cores e filmar. As fotografias e os filmes constituíram o Arquivo do Planeta. Projeto prefigurando de vários anos, projeto do Getty Museum que hoje, na Califórnia, tentar monopolizar as fontes dessas imagens e representações do mundo. A Fundação Albert Kahn é ainda hoje uma fonte de pesquisa importante para encontrar os primeiros documentos em cores de vários lugares, como por exemplo as primeiras imagens em cores do Rio de Janeiro. As placas fotográficas, placas auto cromáticas, foram desenvolvidas pelo irmãos Lumière que fornecerem as películas para registrar as formas de vida antes que a modernidade acabasse com elas. O projeto participava de uma vontade de preservação (reter os vestígios de um passado que se decompõe em frente a modernidade) e também se inscreve em uma vontade de coleção, no sentido que era possível ver as maneiras de viver dos povos do mundo. De uma certa maneira, o projeto de...
PAUL SHARITS e o Cinema EXPANDIDO
Paul Sharits nasceu em 8 de Julho 1943 e morreu em 8 de Julho 1993. Paul Sharits é sobretudo conhecido como cineasta. Contudo, a sua prática não se limitou ao campo cinematográfico. A pintura, o desenho, a escultura e as performances têm uma forte presença, freqüentemente ignorada e no entanto essencial, se queremos compreender a amplitude e singularidade de seu trabalho artístico. Os seus trabalhos cinematográficos e pictóricos organizam-se segundo dois eixos: um formal, próximo do musical, participa do mundo da abstração, enquanto o outro estende-se ao campo psicológico e afetivo da figuração. Após estudar pintura na universidade de Denver, passa a dedicar-se ao cinema. O seu trabalho em cinema interroga a capacidade do suporte de produzir trabalhos que sejam anti-ilusionistas a partir dos elementos do dispositivo, ou seja: a fita e os fotogramas da fita, tanto quanto o desfile de fotogramas e por conseguinte a projeção, nos seus filmes de múltiplas telas, ou suas instalações.. Nos anos 60, Paul Sharits vai da pintura ao filme: “Parei de pintar em meados dos anos 60, mas tornei-me cada vez mais engajado com os filmes, tentando isolar e extrair a essência dos aspectos de sua representação [1]” Como diz ele mesmo, “A cinemática significa um tratamento cinemático de temas não-fílmicos; eu busquei interrogar os materiais e os processos do meu meio, de acordo com modalidades básicas como tema, e de acordo com princípios globais adequados.» Realiza então o filme que virá a ser, depois, Ray Gun Vírus, e que lhe tomará três anos. É nesse mesmo momento que encontra uma maneira original de escrever, desenhar as “partituras” de seus filmes e os desenhos modulares sobre papel quadriculado. Este sistema de notações sera liberado desta fonte, e fará com que retorne à pintura abstrata, inicialmente, e depois à pintura figurativa, a partir do fim dos anos 70. Fiz pintura abstrata e, ao mesmo tempo, filmes ‘normais’, com pessoas em paisagens. Era como uma dicotomia. Depois, parei de pintar e me interessei principalmente pelas artes que se relacionam com o tempo, assim como pela tipografia, ou seja, tudo o que tivesse a aspecto seqüencial; talvez por eu ter estudado música e amar música ou por gostar muito de cinema. Em determinado momento, comecei a desenvolver os elementos figurativos. O primeiro filme que realizei neste estilo, Ray Gun Virus, tinha em sua concepção inicial uma introdução figurativa, que acabei por eliminar. Eu passava por um estado de grande tensão emocional, talvez porque tivesse terminado a universidade e começasse uma nova etapa de vida, querendo eliminar de minha obra tudo o que fosse estranho a meus interesses. Já começara a experimentar, em breves estudos, as...
o expanded cinema de VALIE EXPORT
A posição de Valie EXPORT em relação ao cinema experimental e às artes plásticas é singular. Desde o início, ela escolheu trabalhar com cinema, mas não com qualquer tipo de cinema. Um cinema que ela chama de Expanded Cinema (cinema expandido). Conservaremos o nome inglês, pois se trata aí de uma compreensão do cinema, mais próxima da dos artistas plásticos dos anos 90; e radicalmente diferente da do cinema expandido dos cineastas experimentais do fim dos anos 60 e 70. Diferentemente da produção americana, dominada desde o fim dos anos 60 pelo cinema estrutural, mas também diferentemente da escola materialista europeia, encarnada pelo cinema britânico e alemão do início dos anos 70, Valie EXPORT privilegia mais o conteúdo do que a forma. Ela não tem uma dinâmica essencialista em relação ao cinema. Como ela mesma lembra, em uma entrevista de 1995: “Nunca fui ligada a uma interrogação puramente formal do material fílmico, mas sempre me preocupei com o conteúdo da imagem, isso sempre foi importante para mim” (1) Valie EXPORT conhece os trabalhos de Peter Kubelka, e os dos acionistas vienenses, tanto os filmes de Otto Mülh, de Gunther Brus quanto os realizados por Kurt Kren. Peter Kubelka interroga o cinema a partir de seu próprio material. Trata-se de um cinema formal, um cinema materialista que manifesta o suporte a partir de seu funcionamento segundo seus elementos constituintes. Ele trabalha por redução visando ao universalismo, prefigura o cinema estrutural em alguns anos. Define esse cinema como métrico. Essa crença no universalismo será invalidada por Valie EXPORT e pela maioria das artistas mulheres dos anos 60. A matéria-prima dos acionistas é o corpo em todas as suas expressões. Trata-se de uma insubordinação caracterizada que visa perturbar uma sociedade voltada para si mesma, fechada em um conservadorismo pós-fascista. Essas ações usavam e abusavam dos corpos. Utilizavam a mulher, a representavam, apesar de seu radicalismo reivindicado, como qualquer outro grupo, ou seja, ela era um objeto cujo único crédito era o de ser um dos elementos da performance, triturado pela instância dominante: o homem. Vemos como a prática de Valie EXPORT se singulariza em relação àqueles artistas. “Critico o papel das mulheres nas ações materiais realizadas por artistas masculinos (Como feminista, não me interesso pelos papéis dos homens).” Em suas performances, a ação “visa obter a união do ator e do material, da percepção e da ação, do sujeito e do objeto, o acionismo feminista procura transformar o objeto da história natural do homem, o material ‘mulher’, subjugado e mantido na escravidão pelo criador masculino, numa atriz e criadora independentes, ela é sujeito de sua própria história. Pois, sem a capacidade de...
WOMAN’S ART: A MANIFESTO
A POSIÇÃO DA ARTE NO MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO FEMININA É A POSIÇÃO DAS MULHERES NO MOVIMENTO ARTÍSTICO A HISTÓRIA DA MULHER É A HISTÓRIA DO HOMEM Por homens terem definido a imagem para ambos sexos, criaram e controlaram as mídias sociais e de comunicação, como ciência e arte, palavra e imagem, moda e arquitetura, transporte social e divisão do trabalho. Os homens têm projetado sua imagem de mulher nessas mídias , e de acordo com esse padrão médio dão forma à mulher. Se a realidade é uma construção social e os homens seus engenheiros, estamos lidando com a realidade masculina. As mulheres ainda não chegaram à si por que não tiveram a chance de expressar-se, uma vez que não tiveram acesso à mídia. Deixar as mulheres falarem para que possam encontrar-se, é o que peço para que possamos alcançar uma imagem auto-definida de nós mesmas e assim, uma visão diferente da função social feminina. Nós mulheres, devemos participar na construção da realidade via a construção das mídias de comunicação. Isto não acontecerá espontaneamente ou sem resistência ou seja, devemos lutar! Se vamos continuar atrás de nossos objetivos, tais como direitos sociais igualitários, auto-determinação, uma nova consciência feminina, devemos tentar expressá-los em todas as esferas da vida. Essa luta trá consequencias a longo prazo e mudanças em todo âmbito da vida, não apenas para nós, mas para homens, crianças, família, igreja… resumindo: para o Estado. As mulheres devem fazer uso de todas as mídias como meio de luta social e de progresso social, para que libertem a cultura dos valores masculinos. Da mesma maneira ela fará isso nas artes sabendo que os homens, por milhares de anos, puderam expressar aqui suas ideias de erotismo, sexo, beleza, inclusive sua mitologia do vigor, energia e austeridade nas esculturas, pinturas, romances, filmes, peças teatrais, ilustrações, etc., e a partir daí, influenciando nossa consciência. O tempo vai chegar. E ESSE É O TEMPO CERTO Que as mulheres usem a arte como meio de expressão e que também influenciem a consciência de todos nós, deixar nossas ideias fluírem para a construção da realidade, para criarmos uma realidade humana. Até então, a arte tem sido criada em larga extensão somente por homens. Eles lidaram com os temas da vida, com os problemas da vida emocional, adicionando apenas suas próprias considerações, respostas e soluções. Agora devemos fazer nossa própria afirmação. Devemos destruir todas essas noções de amor, fé, família, maternidade, companheirismo, que não foram criados por nós, e ainda substituí-los por outros de acordo com nossas sensibilidade, com nossos desejos. Mudar as artes que os homens forçaram á nós significa destruir os aspectos femininos criados pelos homens....